Fernando Reinach
Aumente sua vida em dez vezes e sua capacidade reprodutiva em cem vezes. É isso que vai ocorrer se você for alimentado durante a infância com royalactin, um produto recém-identificado. Ah, esqueci de dizer, isso só vale se você for uma abelha. Em um feito cada vez mais raro na ciência moderna, um cientista trabalhando sozinho identificou o composto presente na geleia real responsável pela diferenciação de larvas em abelhas-rainhas e de quebra descobriu como ele atua no corpo dos insetos, aumentando a sobrevida e a capacidade reprodutiva.
Em um ninho de abelhas (Apis mellifera), somente uma entre as milhares de fêmeas assume o papel de rainha. Essa privilegiada vive de 1 a 2 anos e coloca 2 mil ovos por dia. As outras fêmeas são simples trabalhadoras. Seu mês de vida é dedicado a trabalhar pela colmeia. Sexo, nem pensar.
Há mais de cem anos foi descoberto que as abelhas produzem um tipo especial de mel, a geleia real, que transforma as larvas em rainhas – um verdadeiro conto de fada. Os seres humanos, acreditando que talvez a geleia real tenha efeitos semelhantes em mamíferos, consomem toneladas do produto todos os anos – um mercado anual de US$ 600 milhões. A geleia real tem centenas de componentes e até agora ninguém sabia como ela era capaz de transformar larvas em rainhas.
Masaki Kamakura, da Universidade de Toyama, descobriu que, se a geleia real fosse estocada a 40°C, ela ia aos poucos perdendo sua capacidade de transformar larvas em rainhas. Esse efeito era gradativo e ocorria ao longo de 30 dias – como seria esperado se um dos compostos presentes na geleia fosse aos poucos desaparecendo.
Usando métodos sofisticados para separar e quantificar os componentes de amostras de geleia estocadas a altas temperaturas, Kamakura identificou três proteínas cuja degradação ocorria em 30 dias. Cada uma delas foi isolada e testada individualmente em larvas. O resultado demonstrou que somente uma das três proteínas, com um peso molecular de 57 mil daltons, era capaz de transformar as larvas em rainhas.
Essa proteína recebeu o nome de royalactin. O gene da royalactin foi clonado e a proteína, produzida em bactérias transgênicas, foi isolada e testada novamente. A capacidade de transformar as larvas foi confirmada.
Com bastante royalactin na geladeira, Kamakura começou a investigar como ela operava sua mágica. A primeira descoberta é que um efeito semelhante, mas menos intenso, era obtido em larvas de Drosophila. Como a genética da Drosophila é muito bem conhecida, Kamakura começou a testar uma coleção de Drosophilas, cada uma deficiente em um gene, na esperança de descobrir o gene por meio do qual a royalactin exercia seu efeito. Deu certo. Kamakura descobriu que o gene do receptor de um hormônio chamado EGF (fator de crescimento epitelial) precisava estar intacto para que a royalactin agisse. Usando esse procedimento, Kamakura foi capaz de mapear grande parte do caminho metabólico que é ativado nos insetos e provoca a transformação das larvas em rainhas.
A melhor notícia é que, apesar de os mamíferos não produzirem royalactin, o caminho metabólico mapeado por Kamakura é muito semelhante em insetos e mamíferos. Temos os receptores de EGF e grande parte dos outros genes envolvidos no processo. Como você deve imaginar, companhias farmacêuticas investigam se é possível desenvolver um composto que repita em humanos o efeito da royalactin em insetos. Se for possível, o que duvido, faremos sexo centenas vezes por dia durante nossa longa vida de 800 anos. Mas teremos de manter parte da população sem royalactin – afinal alguém vai ter de cuidar dos afazeres diários. Seremos uma colmeia feliz?
Texto de Fernando Reinach-PUBLICADO NO ESTADÃO
Aumente sua vida em dez vezes e sua capacidade reprodutiva em cem vezes. É isso que vai ocorrer se você for alimentado durante a infância com royalactin, um produto recém-identificado. Ah, esqueci de dizer, isso só vale se você for uma abelha. Em um feito cada vez mais raro na ciência moderna, um cientista trabalhando sozinho identificou o composto presente na geleia real responsável pela diferenciação de larvas em abelhas-rainhas e de quebra descobriu como ele atua no corpo dos insetos, aumentando a sobrevida e a capacidade reprodutiva.
Em um ninho de abelhas (Apis mellifera), somente uma entre as milhares de fêmeas assume o papel de rainha. Essa privilegiada vive de 1 a 2 anos e coloca 2 mil ovos por dia. As outras fêmeas são simples trabalhadoras. Seu mês de vida é dedicado a trabalhar pela colmeia. Sexo, nem pensar.
Há mais de cem anos foi descoberto que as abelhas produzem um tipo especial de mel, a geleia real, que transforma as larvas em rainhas – um verdadeiro conto de fada. Os seres humanos, acreditando que talvez a geleia real tenha efeitos semelhantes em mamíferos, consomem toneladas do produto todos os anos – um mercado anual de US$ 600 milhões. A geleia real tem centenas de componentes e até agora ninguém sabia como ela era capaz de transformar larvas em rainhas.
Masaki Kamakura, da Universidade de Toyama, descobriu que, se a geleia real fosse estocada a 40°C, ela ia aos poucos perdendo sua capacidade de transformar larvas em rainhas. Esse efeito era gradativo e ocorria ao longo de 30 dias – como seria esperado se um dos compostos presentes na geleia fosse aos poucos desaparecendo.
Usando métodos sofisticados para separar e quantificar os componentes de amostras de geleia estocadas a altas temperaturas, Kamakura identificou três proteínas cuja degradação ocorria em 30 dias. Cada uma delas foi isolada e testada individualmente em larvas. O resultado demonstrou que somente uma das três proteínas, com um peso molecular de 57 mil daltons, era capaz de transformar as larvas em rainhas.
Essa proteína recebeu o nome de royalactin. O gene da royalactin foi clonado e a proteína, produzida em bactérias transgênicas, foi isolada e testada novamente. A capacidade de transformar as larvas foi confirmada.
Com bastante royalactin na geladeira, Kamakura começou a investigar como ela operava sua mágica. A primeira descoberta é que um efeito semelhante, mas menos intenso, era obtido em larvas de Drosophila. Como a genética da Drosophila é muito bem conhecida, Kamakura começou a testar uma coleção de Drosophilas, cada uma deficiente em um gene, na esperança de descobrir o gene por meio do qual a royalactin exercia seu efeito. Deu certo. Kamakura descobriu que o gene do receptor de um hormônio chamado EGF (fator de crescimento epitelial) precisava estar intacto para que a royalactin agisse. Usando esse procedimento, Kamakura foi capaz de mapear grande parte do caminho metabólico que é ativado nos insetos e provoca a transformação das larvas em rainhas.
A melhor notícia é que, apesar de os mamíferos não produzirem royalactin, o caminho metabólico mapeado por Kamakura é muito semelhante em insetos e mamíferos. Temos os receptores de EGF e grande parte dos outros genes envolvidos no processo. Como você deve imaginar, companhias farmacêuticas investigam se é possível desenvolver um composto que repita em humanos o efeito da royalactin em insetos. Se for possível, o que duvido, faremos sexo centenas vezes por dia durante nossa longa vida de 800 anos. Mas teremos de manter parte da população sem royalactin – afinal alguém vai ter de cuidar dos afazeres diários. Seremos uma colmeia feliz?
Texto de Fernando Reinach-PUBLICADO NO ESTADÃO
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