Depressivos têm mais chance de desenvolver Alzheimer
Estudo brasileiro mostra que cobaias 'tristes' não responderam a estímulos de sobrevivência, enquanto as tratadas com antidepressivo tiveram melhoras no humor e na memória
Comum entre os idosos e raro em pessoas jovens, o mal de Alzheimer é responsável pela perda de memória e atinge cerca de 1 milhão de brasileiros. Um estudo desenvolvido por um grupo de pesquisadores brasileiros e liderado pelos professores Sérgio Ferreira e Fernanda de Felice, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra que a doença pode estar mais próxima dos sintomas da depressão do que se imagina. Os cientistas identificaram que os oligômeros abeta, toxinas ligadas ao esquecimento de fatos recentes pelos doentes, provocam também sintomas depressivos. Com os resultados, pela primeira vez a associação entre a depressão clínica e o Alzheimer se torna clara e sinaliza que uma pessoa depressiva tem maior risco de desenvolver o mal neurológico. O estudo brasileiro acaba de ser publicado na revista especializada Molecular Psychiatry.
Embora já houvesse o conhecimento de que o cérebro de pessoas acometidas pelo Alzheimer sofre o acúmulo dessa toxina – o oligômero abeta, que ataca as sinapses e impacta na comunicação entre os neurônios –, os pesquisadores foram atrás de novas informações. “Já sabíamos que os oligômeros causavam essa falha na memória e a grande novidade é que conseguimos comprovar pela primeira vez que, quando em concentrações mais elevadas, as toxinas levam à depressão”, explica Sérgio Ferreira, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e responsável pelo estudo.
Mesmo que a relação entre o Alzheimer e a depressão fosse conhecida pela clínica médica, o estudo se propôs a responder como essas doenças se associavam de forma mais clara. “Quando o paciente começa a se queixar da perda de memória ele apresenta depressão. Mas a pesquisa mostra que entre os pacientes que sofreram com depressão ao longo da vida a chance de desenvolver o Alzheimer é maior”, diz. “A perda de memória causada por essas toxinas já era conhecida, mas com os resultados percebemos também que as pessoas que tiveram depressão ao longo da vida têm mais chance de ter o mal degenerativo”, acrescenta. Ainda de acordo com o pesquisador, mesmo se tratando de doenças diferentes – já que uma atinge a memória e a outra o humor – os oligômeros estão presentes nas duas situações.
O passo a passo
Para chegar ao resultado, a pesquisa usou ao longo de dois anos cerca de 100 camundongos que receberam a toxina e responderam com sintomas depressivos. Os testes, segundo o professor, foram feitos em dois períodos diferentes. A primeira etapa ocorreu durante as primeiras 24 horas depois da aplicação dos oligômeros, e a segunda etapa oito dias depois da injeção da toxina.
O quadro depressivo foi identificado por meio de testes como o nado forçado, suspensão do camundongo pela cauda e preferência pelo açúcar. Nos dois primeiros testes, os roedores deveriam lutar pela sobrevivência, mas quase não reagiram. No outro teste, os animais com sintomas depressivos não buscaram a água açucarada, enquanto os saudáveis viram no açúcar uma forma de prazer.
A partir do diagnóstico iniciou-se o tratamento com o antidepressivo fluoxetina, e ainda dentro do estudo, os animais foram tratados apresentaram melhoras tanto na perda de memória quanto na própria depressão. “Esperávamos que a fluoxetina, que já é amplamente usada hoje no tratamento contra a depressão, trouxesse bons resultados com relação ao humor, mas fomos surpreendidos ao ver que o medicamento trouxe melhorias para a memória dos animais”, conta Sérgio Ferreira. `
O grupo da UFRJ, que envolve o Instituto de Bioquímica Médica e a Faculdade de Farmácia, pretende ainda, segundo Ferreira, avaliar se o tratamento com fluoxetina ou outros antidepressivos poderia ser benéfico também em um camundongo transgênico – modelo para os testes da doença de Alzheimer. Mesmo que as novas perspectivas trazidas pelos resultados da pesquisa não se apresentem como cura, para o pesquisador eles sinalizam uma possibilidade de avanço no tratamento da doença. “Esse teste foi feito com animais, mas ainda temos que continuar as pesquisas para perceber se o mesmo tratamento pode ser feito com os humanos”, explica.
Sequência do estudo
Depois de o estudo ser publicado na revista científica, a expectativa dos pesquisadores é que o material corra o mundo, despertando a curiosidade de outros cientistas. O líder do estudo acredita que pesquisadores de outros países que já estudem o Alzheimer se interessem pelo achado. Ele também se diz esperançoso de que o tema desperte interesse por investimentos na continuidade do trabalho, já que um estudo como esse, para chegar aos testes em humanos, levaria mais alguns anos para ser consolidado. “O governo federal e o estadual precisam criar políticas públicas para viabilizar esse tipo de estudo clínico, que pode trazer grande benefício e agilidade ao tratamento da doença”, avalia. O entrave, no entanto, é que o país ainda não dispõe da infraestrutura necessária para seguir com as pesquisas do Alzheimer. “Não temos condições de fazer os testes em humanos porque não temos financiamento, nem estrutura”, lamenta.
Acetilcolina orienta aprendizado espacial
Outra pesquisa recente sobre o Alzheimer foi publicada pelo periódico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS, em inglês) e desenvolvida por pesquisadores do Centro de Memória da PUCRS, da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de Western Ontario, no Canadá. O estudo identificou a acetilcolina, um dos muitos neurotransmissores presentes no cérebro, como responsável pela orientação espacial e pela potenciação de longa duração. Ou seja, a orientação para atividades simples do dia a dia, como lembrar o caminho até a farmácia, depende fundamentalmente da acetilcolina cerebral. “Até então, sabia-se que a acetilcolina interferia na memória, mas não sabíamos sobre quais aspectos. Agora, sabemos que ela mantém o aprendizado espacial ou a capacidade de se situar em determinado espaço”, explica o coordenador do Centro de Memória e neurocientista Ivan Izquierdo.
Ainda de acordo com ele, a pesquisa dá à indústria farmacêutica um novo elemento para a fabricação de medicamentos que resolvam esse problema de forma específica. Segundo Izquierdo, considerado um dos maiores especialistas em memória do país, para chegar ao resultado foram usados camundongos, que fizeram testes em um labirinto aquático. Em um dos testes, os animais foram colocadas junto a objetos que já haviam visto e outros, novos. Os ratos que não armazenaram a acetilcolina tiveram dificuldade em reconhecer as imagens já visualizadas. “Nos animais em que o sistema de acetilcolina não funciona, a memória de longa duração não se desenvolve, eles acabam ficando hiperativos e não formam boa memória, criando transtornos”, explica.
O que são oligômeros?
São pequenos agregados formados por partículas de proteínas, que ficam no cérebro mas são solúveis e podem envolver o tecido do cérebro e causam a perda de memória, e também sintomas depressivos.
A doença
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que pode acometer homens e mulheres, geralmente a partir dos 65 anos. Pessoas depressivas ou diabéticas, principalmente do tipo 2, têm mais chance de desenvolver o Alzheimer. Além da depressão, o principal sintoma é a perda de memória e a incapacidade de formar recordações recentes. “Entre os sintomas, a pessoa se esquece que tomou remédio ou comeu e também não se recorda de rostos de pessoas com quem acabou de se encontrar ou onde guardou determinado objeto”, explica o professor Sérgio Ferreira, da UFRJ.
Fonte:http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2012/12/10/interna_tecnologia,335802/
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