O CÉREBRO DA CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO E SUAS AFETAÇÕES


Substâncias usadas no dia a dia causam danos cerebrais a bebês

Componente antichama que reveste móveis e eletrônicos prejudica desenvolvimento de crianças com predisposição genética


Em seu estágio inicial de desenvolvimento, o cérebro do feto é particularmente vulnerável a produtos químicos. A exposição de grávidas a determinados agentes tem sido associada a quocientes de inteligência (QI) mais baixos e a transtornos psíquicos em crianças. É difícil precisar quanto essas substâncias interferem no sistema nervoso em formação, pois isso depende de vários fatores, como predisposição genética e quantidade de exposição.

Pesquisas recentes, porém, têm conseguido predizer os efeitos negativos de alguns componentes, entre eles os éteres difenil-polibromados (PBDEs), usados nas últimas duas décadas como retardadores de chamas em objetos como tecidos de cortinas, colchões, carpetes, móveis e eletrônicos. São substâncias que têm um “talento”pouco comum para permanecer no ambiente. Tanto que a Agência de Proteção Ambiental americana os classifica como poluentes orgânicos persistentes (Pops). Os PBDEs acumulam-se no corpo, principalmente em estruturas ricas em tecidos gordurosos, como o cérebro. Alguns estudos revelam ações dos PBDEs e seus metabólitos (produto de seu metabolismo pelo organismo): interferem, por exemplo, na regulação dos hormônios da tireoide, crítico para o desenvolvimento do cérebro no útero e nos primeiros meses de vida do bebê.

Um trabalho publicado em 2013 na Toxicological Sciences mostra que o PBDE-47 prejudica o crescimento de novos neurônios em adultos – processo importante para aprendizado e memória. Os efeitos sobre o cérebro em desenvolvimento, no entanto, são ainda mais sensíveis. A pesquisadora de saúde ambiental Julie Herbstman, da Universidade Colúmbia, descobriu que crianças de mães com alta concentração de PBDEs no sangue do cordão umbilical pontuaram menos em testes de desenvolvimento mental na primeira infância.

Há também evidências de relações dessas substâncias com sintomas de autismo. A microbióloga Janine LaSalle, do Instituto de Investigação Médica de Transtornos do Desenvolvimento da Universidade da Califórnia, estuda como os PBDEs e outros poluentes orgânicos influenciam o desenvolvimento fetal em termos moleculares. Ao pesquisar tecidos cerebrais de adultos diagnosticados com transtorno do espectro autista (TEA), ela descobriu uma quantidade anormal desses componentes. Eles se concentravam mais nas amostras provenientes de pessoas com tipos de autismo relacionados à participação significativa de fatores genéticos.

Janine testou também os efeitos dos PBDEs em ratos com a mutação genética associada à síndrome de Rett, cujos sintomas são muito semelhantes aos do autismo - como problemas no desenvolvimento da linguagem verbal, movimentos repetitivos e compulsivos e deformidades físicas como mãos e cabeça pequenas, e bem mais comuns em meninas. Ratos que receberam doses diárias de PBDEs, equivalentes à exposição humana média, tiveram fêmeas com déficit de habilidades sociais e comportamentais semelhantes aos sintomas de Rett. Segundo a microbióloga, isso ocorre por causa de uma metilação (modificação química) do DNA. Distribuídos sobre cada fita de DNA em nossas células, grupos metila influenciam a expressão de nossos genes – por exemplo, ligando genes que constroem neurônios no cérebro. Janine observou que o tecido cerebral de pessoas com autismo é significativamente submetilado – bem como o de filhotes de ratas expostas a PBDEs.

Mas, de acordo com a pesquisadora, essas substâncias não interferem na metilação do DNA em qualquer circunstância. Ela usa a metáfora de um recipiente se enchendo de água (ver imagem abaixo) para explicar que é preciso haver uma soma de fatores de risco para que o desenvolvimento cerebral seja afetado. Por exemplo, a exposição a PBDEs pode ser considerada um fator de risco para Rett apenas se uma gestante carrega a mutação genética associada à síndrome. Rett e diversos tipos de autismo surgem, na visão atual da ciência, de uma interação complexa entre fatores endógenos e ambientais. PBDEs são, assim, uma influência ambiental a mais que contribui, usando a metáfora anterior, para fazer a tina transbordar.




Maternidade provoca mudanças estruturais no cérebro

Com o nascimento do bebê ocorre expansão de áreas relacionadas ao aprendizado e ao planejamento



Fêmeas de várias espécies passam por mudanças estruturais no cérebro quando seus filhotes nascem. Cientistas sabem que as alterações estão relacionadas à criação de vínculos com os recém-nascidos – um recurso da natureza para garantir mães protetoras que cuidam dos filhotes.


Esse processo vem sendo estudado também em humanos. A neurocientista Pilyoung Kim, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, junto com pesquisadores da Universidade Yale e da Universidade de Michigan produziram mapas detalhados do cérebro de 19 mulheres poucas semanas depois de elas terem dado à luz. Em paralelo, os pesquisadores pediram às mães que escolhessem palavras de uma lista de reforços positivos como “lindo”, “perfeito” e “especial” para descrever como se sentiam em relação aos seus filhos e à experiência de cuidar deles.


O mapeamento cerebral foi repetido três meses depois. Como previsto, algumas áreas, incluindo hipotálamo, amígdala e substância negra (regiões que, segundo alguns estudos, estão associadas à preocupação, ao aprendizado e à formação de sentimentos positivos relacionados aos recém-nascidos) haviam se expandido. Também foi verificado um aumento do córtex pré-frontal, ligado ao planejamento e à capacidade de tomar decisões. Além disso, observou-se uma maior expansão cerebral em mães que tinham escolhido mais palavras positivas para descrever suas impressões sobre a maternidade.


Os pesquisadores ainda não sabem se é o crescimento do cérebro que provoca mudanças de sentimentos ou o contrário. Os resultados, porém, indicam que pela primeira vez foi detectada uma relação entre sensações subjetivas das mães e alterações físicas cerebrais. Cientistas planejam realizar novos estudos para investigar o fenômeno, analisando se há alterações cerebrais também nos homens que se tornam pais. 

Armadura para o feto

Estudos revelam que a placenta faz mais que alimentar o bebê dentro do útero, é fundamental para moldar o desenvolvimento cerebral

Ainda que seja um órgão transitório, a placenta tem grande importância para a vida, já que em sua curta existência funciona como proteção para o feto. Seus vasos sanguíneos – semelhantes a raízes de árvores (veja imagem ao fundo da pág.), obtida por Norman Barker, professor-associado de patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins) – também transportam oxigênio e nutrientes essenciais da mãe para o bebê em desenvolvimento. Ainda assim, a placenta tem sido desvalorizada. Uma análise científica cuidadosa mostrou que o órgão representa muito mais que um simples invólucro: ele molda o desenvolvimento neurológico do feto.

Em um estudo publicado em agosto de 2011, pesquisadores britânicos mostraram que, quando uma fêmea de camundongo que está esperando filhote é privada de alimento, a placenta assume o comando, destruindo seu próprio tecido para “alimentar” o cérebro do feto. Um grupo de cientistas do Instituto Neurogenético Zilkha da Universidade de Southern (ZNI, na sigla em inglês), na Califórnia, derrubou décadas de dogma biológico ao relatar que é a placenta – e não exatamente a mãe – que fornece o hormônio serotonina ao prosencéfalo do feto no início do desenvolvimento. Como hormônios desempenham papel essencial nas conexões cerebrais, anormalidades placentárias podem significar risco de o feto desenvolver depressão, ansiedade e até autismo antes mesmo de os neurotransmissores começarem a funcionar. “Por isso, é preciso estar muito atento à saúde e aos cuidados da placenta”, ressalta Pat Levitt, diretor do ZNI e coautor do estudo.

Investigações sobre a influência desse órgão no desenvolvimento cerebral são tão recentes que ainda não foram batizadas. A neonatóloga e neurobióloga do desenvolvimento Anna Penn, pesquisadora da Universidade Stanford, denominou esses estudos de “neuroplacentologia”. A própria Anna está estudando o impacto dos hormônios placentários no desenvolvimento do cérebro depois da 20a semana de gestação. Seu objetivo é identificar com que idade os bebês prematuros são afetados pela perda desses hormônios e, ainda, descobrir uma forma de compensar esse déficit.

Marcas de fast food tem forte efeito sobre o cérebro infatil

Crianças e adolescentes, especialmente os obesos, reagem a fotos dos logotipos como se estivessem diante do alimento


Uma pesquisa da Universidade de Toronto, no Canadá, mostrou que a simples exposição aos símbolos da cultura fast food (como marcas de famosas cadeias de lanchonetes) aumenta a pressa dos participantes e os fez comprar compulsivamente. “A praticidade do fast food nos faz ganhar tempo, mas, ironicamente, essa eficiência torna as pessoas muito mais impacientes e até menos capazes de economizar dinheiro”, diz o psicólogo social Sanford DeVoe, coordenador do estudo publicado na revista Psychological Science.

Outra pesquisa, realizada no Centro Médico da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, revelou que os logotipos de redes de comida rápida têm forte efeito sobre o cérebro de crianças e adolescentes. Os cientistas registraram imagens neurais de voluntários com idades entre de 10 e 14 anos enquanto observavam 120 logos de marcas famosas, metade delas de alimentos. “A ativação do córtex cingulado posterior, região relacionada ao controle de apetite e motivação, foi nitidamente maior em relação às representações gráficas da indústria de comida. Era como se estivessem diante de guloseimas de verdade”, diz a neurocientista Amanda Bruce, coordenadora do experimento. Em um trabalho anterior, ela já havia descoberto que o cérebro de crianças obesas reage a fotografias de alimentos de forma mais intensa que o de crianças magras.




Hábitos alimentares ruins prejudicam o desenvolvimento cerebral



Crianças com dieta rica em comida industrializada podem apresentar QI ligeiramente mais baixo



A chamada junk food é frequentemente associada a diversos problemas de saúde como obesidade e doenças cardíacas. Agora, um estudo publicado na Journal of Epidemiology and Community Health da British Medical Association, revela que crianças com maus hábitos alimentares podem apresentar um quociente de inteligência (QI) ligeiramente mais baixo. O trabalho foi feito pela nutricionista Pauline Emmett, em parceria com colegas da Escola de Medicina Social e Comunitária da Universidade de Bristol, no Reino Unido. Os pesquisadores monitoraram a dieta de 14 mil pessoas nascidas na Inglaterra entre 1991 e 1992, aos 3, 4, 7 e 8 anos e meio. Os pais das crianças foram orientados a preencher questionários com o objetivo de, entre outras coisas, levantar informações sobre o que seus filhos comiam e bebiam. Com base nesses dados foram identificados três padrões de dieta: o primeiro, rico em gorduras e açúcar; o segundo, classificado como tradicional, com carnes e legumes; e o terceiro, considerado saudável, com muita salada, frutas, macarrão e arroz. Quando chegaram aos 8 anos e meio, as crianças passaram por um teste conhecido como Escala de Inteligência de Wechsler, usado para medir o QI.


Comparando os 4 mil participantes cujos dados estavam completos, foi possível perceber que houve diferença nos resultados da avaliação cognitiva: meninos e meninas que consumiam grande quantidade de alimentos industrializados registraram em média 101 pontos. Já as que tinham hábitos mais saudáveis apresentaram QI médio de 106. Pauline ressalta que a diferença é pequena, mas pode tornar uma pessoa menos capaz de lidar com determinadas atividades. A nutricionista acredita que essa alteração pode ser explicada pela falta de vitaminas e minerais essenciais para o desenvolvimento do cérebro. Também é possível argumentar que os resultados sofreram influência de outros fatores, como o contexto socioeconômico de cada indivíduo, já que uma família de classe média provavelmente tem mais condições de consumir produtos saudáveis. “Dedicamos cuidado especial para neutralizar esse tipo de fator, informando-nos sobre o nível educacional e classe social da mãe, idade, tipo de moradia, se havia livros na casa e a frequência com que a criança assistia à televisão, por exemplo”, diz a pesquisadora. Ela enfatiza, entretanto, que são necessários mais trabalhos para descobrir se esse impacto continua à medida que as crianças envelhecem. 
Fonte:http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/

Comentários