(por Pati Rabelo)
MODELOS PLUS SIZE: AS NOVAS MULHERES IRREAIS
Não procure mulheres reais em anúncios de sapatos, num desfile da Dior, em editoriais de moda ou na capa da Nova. A tentativa tem tudo pra ser frustrante, pois você dificilmente achará. Talvez você pense ter encontrado ao se deparar com algo ligado ao segmentoplus size. É que, nos últimos anos, querendo dar a entender que estão reconhecendo a cidadania das mulheres que não se parecem com manequins de vitrines vivos, a indústria da moda e a mídia colocaram esse padrão sob os holofotes. (Lá fora, esse rótulo engloba a numeração que vai do 12 a 24, o que no Brasil equivale ao intervalo que vai do 40 ao 52. Sim, é bastante absurdo dizer que plus size começa no 40, mas é verdade.)
À primeira vista, pode parecer que isso é um passo no sentido de universalizar o direito das mulheres de terem as formas corporais que elas quiserem e puderem. Sem pressão, sem alguém dizendo que elas estão erradas por destoarem das magérrimas modelos, que, por definição, significam referências, exemplos a serem imitados. Engano. Quando você encontrar mulheres gordas na mídia, elas terão rostos lindos de morrer, todas com suas medidas e formas também “ideais” pro padrão daquelas que vestem mais que 38. Sem contar que, assim como as magras, as modelos de manequins maiores só terão suas fotos publicadas após muitas camadas de tratamento digital: suas peles parecerão sempre lisinhas, uniformes e sem celulites, e elas terão cintura fina e coxas grossas em um conjunto que revelará proporcionalidade. Dessa forma, do ponto de vista da mulher da vida real, uma modelo plus size (e observe que aqui estamos falando novamente de um modelo) é tão idealizada e possui uma imagem tão inalcançável para a mulher comum quanto a Gisele.
Outro aspecto que parece indicar que a “inclusão midiática” da mulher gorda não passa de discurso fabricado pra vender coisas são os eufemismos: elas são chamadas de gordinhas, de “cheias de curvas” – de plus size, enfim. Porque falar que alguém é “plus size” (ou “tamanho extra”) é utilizar um eufemismo, sim, como se dizer que a pessoa é gorda fosse um palavrão. Há toda uma construção social conferindo uma carga negativa a esse termo e que o faz soar como ofensa. Já a palavra “gordinha”, assim no diminutivo, também parece uma manobra pra minimizar o problema, a gravidade da falha quase moral de possuir mais que o nível permitido de gordura no corpo. Se estivéssemos falando de uma democratização real no que diz respeito a pesos e medidas femininos, nenhuma adulta precisaria ser chamada de gordinha, pois não haveria nada de errado com o adjetivo gorda.
Assim, por mais que se tente fazer parecer o contrário, na moda e na mídia, só há espaço para mulheres idealizadas. Afinal, se é sempre aquilo que não se tem – a falta, o que não se alcançou ainda – que vai movimentar o desejo, que, por sua vez, é o principal motor do consumo, por que nesse caso seria diferente? O problema aqui é fingir que se está, finalmente, utilizando representações visuais condizentes com aquelas que as mulheres comuns veem no espelho, quando, de fato, o jogo continua o mesmo: segue-se vendendo imagens aspiracionais irreais. No auge da sua carreira e do próprio império das supermodelos, Cindy Crawford deu uma declaração que ilustra perfeitamente esse descompasso entre a mulher da revista e a mulher da vida real: “Todo mundo tem que entender que, antes de duas horas fazendo o cabelo e a maquiagem, nem eu me pareço com a Cindy Crawford”.
Há ainda o fato de que a mulher gorda é tratada sempre como excentricidade, como algo não natural, já que natural é a magreza, segundo o discurso oficial. Nenhuma marca classifica uma calça 36 como tamanho especial, tampouco alguma revista destacaria na capa um editorial de moda cujo chamariz fosse o fato de só apresentar magras tipo Twiggy. É como se moças gordas fizessem parte de um gueto: estão em anúncios de produtos feitos especialmente pras elas; estão em editoriais de moda com o “tema”plus size. Veja que não se trata de mulheres aparecendo, em toda a sua diversidade, em uma campanha qualquer de um produto qualquer e não apenas daqueles direcionados às plus size. Assim, 48 não é um número dentro do espectro possível; é um tema. Mesmo no auge da febre plus size na mídia, por volta de 2009, não se viam modelos de aspecto renascentista em comerciais de xampu, por exemplo. E, em lojas de departamentos americanas como Nordstrom, Forever 21 e Macy’s, você vê seções como men, girls e plus size. Fica claro que não estamos falando de mais um tamanho da grade e sim de um segmento à parte: há roupas para homens, roupas para mulheres e roupas para [mulheres] plus size.
A Dove, com sua “Campanha pela Real Beleza”, que apresenta mulheres comuns com corpos, rostos e faixas etárias diversos em seus anúncios, é caso clássico de exceção que confirma a regra. Se a marca escolheu esse mote pra sua comunicação nos últimos anos, o motivo é justamente a homogeneização existente no discurso contemporâneo sobre o que é bonito e, por que não dizer, válido e certo. Claro que o objetivo último da campanha é vender mais, porém esse caso é digno de nota, pois não deixa de ser corajoso uma marca de produtos de beleza estampar, por exemplo, o close no rosto de uma senhora toda cheia de rugas em um anúncio de revista.
Então, magra ou gorda, não importa muito: você verá sempre uma figura moldada para gerar expectativas irreais nas mulheres em relação a si mesmas e às demais. Mas o público feminino parece perceber isso, ainda que intuitivamente. Um estudo conduzido, em 2009, por uma equipe de pesquisadores da Alemanha, EUA e Holanda, concluiu que as fotos das modelos em revistas, sejam elas magras ou gordas, fazem as mulheres acima do peso se sentirem piores com os seus corpos. E, na contramão disso, mulheres abaixo do peso normal se sentem melhores quando olham as mesmas fotos.
Essa conclusão põe em cheque as pretensas intenções democráticas da indústria da moda, tendo a mídia como fiel escudeira, ao difundir o rótulo plus size. Isso porque nos faz pensar que redefinir os padrões estéticos por meio das revistas e outdoors talvez não seja a panaceia pra já fragilizada autoestima das mulheres que estão fora dos cânones atuais da beleza.
Como a autoestima das mulheres consideradas com sobrepeso sempre diminui, independentemente das modelos que elas veem, o problema não parece ser uma imagem em particular que alguém olha, mas sim a apresentação da beleza sob qualquer padrão. Assim, ver uma modelo tamanho GG como a garota da capa não necessariamente fará uma garota que veste 50 se sentir melhor consigo mesma. A menos, claro, que ela já faça uma distinção saudável entre a fantasia embutida nas imagens da mídia, mesmo quando se trata das modelos plus size, e a realidade que ela vê todos os dias no espelho.
* Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural
Comentários
Postar um comentário