Estamos ficando malucos em silêncio: alternativas para cultivar uma mente mais saudável
Quando um terço da população mundial sofre de transtornos de ansiedade, é preciso parar
Sou um ansioso profissional. Aliás, acabo de voltar do consultório da dentista e ela me perguntou: “Você é muito nervoso? É que você está sem as pontas dos caninos”. Aparentemente, desenvolvi bruxismo de tanto ranger os dentes.
Vivemos em um mundo com problemas de ansiedade, depressão, anorexia e tantos outros transtornos mentais.
Esse foi um dos motivos pelos quais aceitei o convite para assumir o posto de coordenador de comunicação do Zenklub uma startup que oferece atendimento psicológico 100% online e a preços acessíveis. O objetivo é democratizar o acesso ao divã e acabar com estigmas.
Apresentei o projeto para o pessoal do PapodeHomem e eles abriram espaço para escrever sobre essa preocupação por ser tão relevante para mim quanto para vocês da comunidade. Não pagamos pelo espaço.
Portanto, levem em conta meu viés pessoal e laço com a Zenklub ao interpretar o texto.
A ameaça fantasma
Dormir à noite fica difícil. A cabeça se aconchega sobre o travesseiro, mas a mente está a milhão pensando na reunião de amanhã, no prazo dos relatórios e no cheque-especial. Todo mundo já passou por um dia ruim, mas quando a preocupação do fim da noite é recorrente e com motivos múltiplos, te impedindo de fazer coisas como trabalhar ou curtir os amigos, temos um problema. Se é esse o caso, não se preocupe. Você não está sozinho.
O número de brasileiros acometidos por transtornos mentais é estrondoso. Só adultos que sofrem com depressão são 11 milhões, o equivalente à população de Cuba. Em perspectiva mundial, o número fica ainda maior. Estima-se que atualmente 33% da população mundial sofra com transtornos de ansiedade.
Mentes inquietas, bolsos vazios
Cavoucar os números sobre males psicológicos é abrir uma grande caixa de Pandora. De acordo com levantamento da Previdência Social, os transtornos mentais já são a terceira maior causa de afastamento de postos de trabalho no Brasil, gerando gastos anuais que batem R$200 milhões para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em pagamentos de benefícios. Um valor equivalente à reforma do Aeroporto de Guarulhos.
Os gastos maciços com doenças do gênero não são exclusividade do Brasil. Dados do NIMH (National Institute of Mental Health – Instituto Nacional de Saúde Mental) atestam que, em 2010, transtornos psicológicos custaram US$ 2,5 trilhões – sim, você leu certo: dois trilhões e meio de dólares – à economia mundial. A estimativa é que essa cifra suba para US$6 tri até 2030.
O olho do furacão está mais perto do que imaginamos. Uma pesquisa de 2012 da OMS aponta a região metropolitana de São Paulo como o maior celeiro de transtornos mentais do mundo. Falta de segurança e estresse são os fatores que colocam a Pauliceia no topo do ranking.
Se o problema é tão flagrante quanto os órgãos de saúde dizem, por que ainda não conversamos sobre isso abertamente? Acontece que essa questão ainda é o elefante branco que preferimos ignorar. Para o cidadão comum, assumir que sofre de uma patologia mental é assinar o atestado de maluco e pedir para ouvir frases feitas como “é só uma fase” ou “deixa de frescura”.
Estamos falando de um estigma perigoso. De acordo com a OMS, a depressão é o maior agente de incapacitação profissional do mundo, impedindo mais pessoas de trabalhar do que doenças pulmonares crônicas e diabetes.
Mas por que depressão é frescura para alguns e diabetes não?
Muito disso se deve à maneira como a psicologia se instalou no Brasil. A “popularização” dos consultórios se deu nos anos 1970 e os primeiros clientes eram famílias abonadas dos bairros ricos de São Paulo. As massas não viam a classe profissional com bons olhos. Para o operário de São Bernardo do Campo, o psicólogo do RH da montadora de automóveis era o cara que o privaria de trabalhar porque ele desenhou a árvore do jeito errado no teste admissional.
Não raro, ouvimos que psicólogo é “coisa de rico” ou de “gente desocupada”. A solução encontrada para afastar os fantasmas da cabeça é rápida e barata: automedicação. E o brasileiro já elegeu sua pílula da felicidade, o Rivotril.
De acordo do com dados da IMS Health, empresa provedora de informações e serviços farmacêuticos, entre 2007 a 2015, o consumo de clonazepam – princípio ativo do Rivotril – no Brasil aumentou de 29 mil caixas para cerca de 23 milhões. Um crescimento de mais de 790 vezes.
A equação do sucesso do remédio envolve alguns fatores. A fiscalização falha e os órgãos reguladores não têm pleno controle sobre a prescrição; O tempo de atuação, já que o fármaco age por cerca de 18 horas; e o preço camarada: uma caixa custa menos de R$20.
O travesseiro nem sempre é o melhor conselheiro
As doenças mentais são sorrateiras.
Se não tratadas no começo, podem se desdobrar em outros males como úlcera, gastrite, hipertensão, palpitações, entre outros. Sentar sobre o problema é o pior a se fazer. É como prega St Exupéry em O Pequeno Príncipe – aquele clássico da literatura... – "é preciso remover os baobás quando ainda são brotos".
Da mesma forma que um atleta de final de semana passa a semana sofrendo com câimbras e lesões de toda sorte, se não praticarmos com a nossa mente, ficaremos sujeitos a uma infinidade de luxações psicológicas. É preciso exercitar a cabeça para ter uma mente relaxada, disponível para erros e imprevisibilidades da vida, lúcida, atlética para lidar com o que vem.
Se a doença começa na mente, o mais acertado a se fazer é procurar ajuda de um profissional de saúde mental.
Psicologia dos Jetsons
Para o psicólogo Massashi Saito, em casos mais graves “o psiquiatra ataca os sintomas e o psicólogo vai se focar na origem do problema”. Para ele, dispensar o acompanhamento é trabalhar com uma chance de recaída.
Por mais que os remédios façam efeito no curto prazo, seu uso indiscriminado traz perigos consideráveis para mente e corpo, como relata esse artigo de uma pessoa quequase morreu após lidar com mais 40 remédios diferentes enquanto lidava com bipolaridade e depressão. O melhor a se fazer é reunir coragem, um pouco de disposição – alguns vinténs também podem ser úteis – e procurar ajuda no lugar certo. Pode parecer frase de calendário new age, mas a solução está dentro de você.
Hoje existem meios para driblar os empecilhos que inibem as pessoas de se consultar com um profissional de saúde mental. A terapia online tem se mostrado uma alternativa viável no tratamento de transtornos como ansiedade e bipolaridade. Milhares de norte-americanos já se consultam com seus psicólogos do conforto de suas salas de estar, escritórios ou qualquer outro recôndito dotado de conexão à internet minimamente decente.
O modelo ganhou reforço no último dia 11 quando a gigante do ramo farmacêutico,Walgreens, anunciou o lançamento de um robusto programa de tratamento de doenças mentais cujo carro forte é a psicoterapia online.
A terapia virtual inclusive já se provou um caminho também em casos que requerem tratamento por TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental).
O modelo não é isento de limitações, no entanto
Dificilmente, uma sessão de terapia Reichiana – que trabalha com foco no corpo e no gestual – teria 100% de aproveitamento se feita online. Ademais, ainda há muitas pessoas que não dispensam o contato off-line e que encaram o deslocamento até o consultório do psicólogo como um ritual.
O aconselhamento online pode facilitar o acesso ao tratamento e inibir menos o paciente, dependendo de seu perfil. Imagine que você está passando por um problema no escritório. Tem se sentido muito ansioso nos últimos dias e tem medo que o quadro evolua para uma síndrome do pânico, por exemplo. “Por mais que a companhia conte com um psicólogo em seu quadro, muitas vezes o funcionário tem receio de falar com uma pessoa da própria empresa” afirma Massashi.
Um psicoterapeuta atendendo remotamente poderia sanar o problema. No entanto, “muitas empresas ainda ignoram o problema da saúde mental, porque é uma patologia de tangibilidade diferente das doenças com que estamos acostumados”.
A ida ao psicólogo e o uso da psicoterapia devem ser vistos como um hábito de profilaxia. O psicólogo completa:
"Da mesma forma que vamos à academia fazer musculação para deixar o corpo em dia ou vamos correr para que o coração siga funcionando bem, é preciso tirar as teias de aranha da cabeça para evitar desdobramentos mais graves.”
O problema está na nossa cara e desta vez não é “coisa da nossa cabeça”. Os transtornos mentais que passamos uma vida inteira acreditando ser apenas caso de sanatório estão alastrados pela sociedade, nos impedindo de trabalhar e levar uma vida feliz. É preciso mudar o pensamento de que cuidar da mente “coisa de rico” ou “coisa de doido”. É bem-estar.
E bem-estar é um direito, não um privilégio.
publicado em 16 de Junho de 2016, 00:10
Augusto Paz é um curioso pelo comportamento humano. Estudou moda para entender como as pessoas se vestem, foi jornalista para aprender o que dizem e agora trabalha com psicologia para desvendar o que pensam.
Fonte:http://papodehomem.com.br/estamos-ficando-malucos-em-silencio-precisamos-cultivar-uma-relacao-com-a-nossa-mente
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