segunda-feira, 24 de agosto de 2015
Estudo que acompanhou 100 mil mulheres por 20 anos
sugere que a probabilidade de morte é a mesma da população em geral
Nova York
- Nos Estados Unidos cerca de 60 mil mulheres a cada ano são informadas de que
têm uma fase muito precoce do câncer de mama — estágio 0, como é vulgarmente
conhecido — um possível precursor do que poderia ser um tumor mortal.
E quase
todas as mulheres fazem mastectomia, e muitas vezes uma dupla mastectomia,
removendo uma mama saudável também, ou lumpectomia (procedimento cirúrgico que
remove apenas o nódulo mamário e a parte adjacente de tecido normal). No
entanto, agora parece que o tratamento pode não fazer diferença no resultado.
As
pacientes com esta condição têm quase a mesma probabilidade de morrer de câncer
de mama que mulheres na população em geral, e as poucas que morreram, morreram
apesar do tratamento, não por falta dele, relatam pesquisadores à revista “JAMA
Oncology”. As conclusões foram baseadas na mais ampla coleta de dados já
analisados de carcinomas ductais in situ (DCIS, na sigla em inglês): 100
mil mulheres acompanhadas por 20 anos.
A
descoberta deve acender o debate sobre se milhares de pacientes estão se
submetendo a tratamentos desnecessários e, muitas vezes, desfigurantes para
condições malignas não suscetíveis de evoluir para cânceres fatais.
O
diagnóstico de DCIS envolvendo células anormais confinadas em dutos de leite da
mama subiram nas últimas décadas. Eles agora representam um quarto dos
diagnósticos feitos com mamografia, e os radiologistas encontram lesões cada
vez menores. Mas os novos dados sobre os resultados levantam questões
provocantes: O DCIS seria um precursor do câncer ou apenas um fator de risco
para algumas mulheres? Existe alguma razão para a maioria dos pacientes com o
diagnóstico receber terapias brutais? Se o tratamento não faz diferença, as
mulheres devem mesmo saber que têm a condição?
O diretor
médico da Sociedade Americana de Câncer, Otis W. Brawley, disse não estar
pronto para abandonar o tratamento até que um grande ensaio clínico seja feito
para testar se o melhor é que as mulheres façam mastectomia, lumpectomia ou não
façam nada quando diagnosticadas com CDIS, e este estudo mostre que o
tratamento é desnecessário para a maioria dos pacientes. Brawley, que não
esteve envolvido no estudo, também disse que não tinha dúvidas de que o
tratamento tem sido usado excessivamente.
— Na
medicina temos uma tendência a ficar muito entusiasmados com uma técnica e a
usarmos excessivamente — disse Brawley. — Isso aconteceu com o tratamento de
carcinoma ductal in situ.
Cerca de
metade das 100 mil pacientes no banco de dados usado pelos pesquisadores, de um
registro nacional de câncer, tinha feito lumpectomia, e quase todo o resto
tinha feito mastectomia. O risco de essas mulheres morrerem de câncer de mama
nas duas décadas seguintes ao tratamento era de 3,3% independentemente do
tratamento usado — e este percentual de risco é similar ao da média das
mulheres em geral, diz a cirurgiã de mama Laura J. Esserman, pesquisadora da
Universidade da Califórnia, em São Francisco, que escreveu um editorial que
acompanha o estudo.
Os dados
mostraram que algumas pacientes tinham alto risco: as que tinham menos de 40
anos, negras, e com células anormais contendo marcadores moleculares
encontrados em cancros avançados com prognósticos pobres.
Precursor de câncer ou fator de risco?
O DCIS há
muito tem sido considerado um precursor de tumores letais, análogo aos pólipos
no cólon que podem se transformar em câncer de intestino, diz o autor do estudo
Steven A. Narod, pesquisador do Women’s College Research Institute, em Toronto,
no Canadá. A estratégia de tratamento tem sido a de se livrar das partículas
minúsculas de células mamárias anormais, assim como os médicos se livram de
pólipos do cólon quando os veem em uma colonoscopia. Mas o entendimento da
condição ficou fora do esperado, já que mulheres que fizeram mastectomia
deveriam estar protegidas do tumor, quando na verdade elas passaram a ter o
mesmo risco de desenvolver a doença daquelas que tinham feito lumpectomia.
Quase nenhuma ficou sem tratamento, então não tem como saber ser a falta de
procedimento teria sido uma alternativa pior.
Laura
Esserman disse que se os cânceres de mama mortais começassem como DCIS, a
incidência da doença deveria despencar com o aumento dos índices de detecção. Isso
não aconteceu, mesmo na era pré-mamografia, antes de 1980, o número de mulheres
com DCIS ficava na casa das centenas. Agora, cerca de 240 mil mulheres recebem
diagnóstico de câncer de mama invasivo a cada ano.
Esses
fatos levaram Narod a uma visão contundente. Depois que um cirurgião removeu as
células aberrantes para a biópsia, ele disse:
— Eu acho
que a melhor maneira de tratar DCIS é não fazer nada.
Outros se
desviaram desse conselho.
Monica
Morrow, diretora da cirurgia de câncer de mama no Memorial Sloan Kettering
Cancer Center, disse que fazia mais sentido ver o DCIS como precursor de câncer
que deveria ser tratado como é hoje, com lumpectomia ou mastectomia. Ela
questiona se haveria falha no diagnóstico se as mulheres que foram tratadas morressem
de câncer de mama.
Na
maioria dos casos, os patologistas observam apenas uma pequena amostra do
tumor, diz Monica, e podem perder áreas de câncer invasivo. Mesmo a melhor
mastectomia deixa células cancerosas para trás, o que, segundo ela, pode explicar
o fato de um pequeno número de mulheres com DCIS ter morrido de câncer de mama,
mesmo após a mastectomia.
Brawley
disse que o novo estudo, ao mostrar que os pacientes com DCIS estão em risco
maior, pode ajudar a definir quem se beneficiaria de tratamentos como
lumpectomia ou mastectomia — as mais jovens, negras e com marcadores
moleculares. Ele diz que gostaria que ensaios clínicos tratassem dessa questão,
assim como o fato do restante das mulheres com DCIS, 80% delas, ficarem bem sem
tratamento ou com drogas antiestrogênio, como tamoxifeno ou raloxifeno, que
podem reduzir os riscos gerais de câncer de mama.
Mas se o
DCIS é um fator de risco para câncer invasivo, ao invés de um precursor, talvez
seja possível ajudar as mulheres a reduzir seu risco, talvez com terapias
hormonais ou imunológicas para mudar o ambiente da mama, tornando-o menos
hospitaleiro para as células cancerosas, disse Laura Esserman.
— À
medida que aprendemos mais, temos coragem de tentar algo diferente — disse ela.
O Globo
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