Hábitos de vida saudáveis são fundamentais para manter uma boa saúde (foto: Pixabay/reprodução)
Seus hábitos de vida causam ou previnem o câncer?
Por André Murad*
Obesidade está aumentando em todo o mundo e com ela a
mortalidade por uma série de doenças, incluindo o câncer
Quem teve o
privilégio de crescer até a década de 80 e 90, especialmente, em cidades do
interior, deve se lembrar bem de como a vida nos exigia muito mais esforço
físico do que hoje. Os elevadores e as escadas rolantes não faziam parte da
nossa rotina. Para mudar o canal da TV e a frequência do rádio, tínhamos que
levantar e caminhar. Ir à padaria, ao armazém... tudo isso fazíamos a pé.
Hoje, as
casas mais modernas já vêm com controles remotos até mesmo para o acendedor de
luz. Estamos em plena era da
automação. Se por um lado ficamos fascinados com as facilidades e
tecnologias modernas, por outro, não podemos deixar de refletir sobre os impactos desse modo de
vida em nossa saúde em longo prazo.
O fato é: a obesidade está aumentando em todo o mundo
e com ela a mortalidade por uma série de doenças, incluindo o
câncer. Estima-se que 30% dos casos da
doença nos países ocidentais estejam relacionados ao sedentarismo e ao excesso de peso. Trata-se do segundo fator de risco
para o desenvolvimento de câncer, ficando atrás apenas do tabagismo, de acordo a Organização Mundial de
Saúde (OMS).
No Brasil, mais de 80 milhões de
pessoas – cerca de 60% da população – estão com excesso de peso, enquanto 15
milhões são consideradas obesas. Já o número crianças e adolescentes obesos
passou de 3,7% para quase 13% nos últimos 10 anos, conforme o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Talvez esses números não sejam
suficientes para mudar a cabeça de alguns leitores. Contudo, ver, dia após dia,
as pessoas que integram essas estatísticas em meu consultório me faz insistir
em repetir: cada vez mais pacientes dentro desse perfil são
diagnosticados com tumores de rim, vesícula, pâncreas, intestinos, próstata,
endométrio (a camada interna do útero) e mama.
Mas, afinal, como o excesso de
gordura pode causar essas mutações? Existe uma relação direta e uma
indireta entre a obesidade e o aparecimento do câncer. A causa direta é que, à
medida que as pessoas engordam, aumenta também o volume do abdômen. O estômago
é empurrado para cima pela gordura causando uma pequena hérnia de hiato. Então,
aparece o refluxo. Em longo prazo, o ácido do estômago em contato com o esôfago
leva a um quadro
inflamatório crônico (o chamado epitélio de
Barrett). Essa situação causa uma lesão pré-maligna e, caso isso não mude, essa
lesão se transformará em câncer.
Na maior parte das vezes, a obesidade
leva ao câncer por fatores indiretos, que vão desde um quadro inflamatório
crônico nas células que acumulam gordura – chamadas adipócitos – passando
por um aumento de produção de substâncias e hormônios nocivos quando em
excesso, como o estrógeno,
fabricado no tecido gorduroso de homens e mulheres, e o IGF-1 (Insulin like growth factor – fator
de crescimento semelhante à insulina tipo 1), que aumenta de quantidade em
pessoas obesas.
Engana-se, contudo, quem acha que
pessoas consideradas magras não estão sujeitas a esse quadro. Muitas vezes,
elas são magras pelo não ganho de massa magra ou pela perda de massa
muscular. Mas, se você examiná-las com atenção, verá que há grande quantidade
de gordura, que não aparece porque há pouca massa magra.
O que deve ser considerado é o Índice
de Massa Corporal – IMC, calculado com a seguinte fórmula: Peso ÷ (Altura ×
Altura). Se o resultado for entre 25 e 29,9, a pessoa já está com sobrepeso. A
partir de 30 já é obesidade. Teoricamente, a partir do sobrepeso, já existe
risco aumentado de surgir um tumor. Além disso, a gente sabe que a gordura mais
preocupante é aquela chamada gordura visceral, localizada na região central do
abdômen.
É importante destacar: lutar contra a obesidade não é uma
questão de estética, mas de saúde.
Cientificamente, está provado que o ganho de gordura, especialmente a visceral,
como eu disse, torna os indivíduos mais suscetíveis a doenças cardiovasculares,
diabetes, síndrome metabólicas, a processos inflamatórios crônicos e, claro, ao
câncer. Obviamente, também devem ser considerados os fatores hereditários, o
tabagismo, o etilismo, o sedentarismo, a má alimentação etc.
Como oncologista, preciso chamar
atenção sobre isso. Não temos dúvidas: a obesidade é causadora de câncer, seja
de forma isolada ou associada a outros fatores.
A obesidade por si só é uma doença,
que em muitos casos independe da vontade do paciente de perder peso. É necessário
ser tratada com a ajuda de especialistas que irão atuar de forma multidisciplinar para a reeducação alimentar, física e até no controle hormonal e
no equilíbrio da mente do paciente. Mas, de maneira geral, se a população
adotasse uma vida mais saudável, em longo prazo, teríamos resultados
significativos.
Basicamente, quando você age para
perder peso, você vai atuar em três frentes: a redução de gordura corporal por
si só já contribui para a redução da incidência dessas doenças. Então, entra a
prática de atividade física, contribuindo para o consumo calórico maior. Por
fim, a reeducação alimentar – que é o terceiro fator preventivo de câncer –
orientada por um nutricionista, nutrólogo ou endocrinologista.
A dieta anticâncer é composta por verduras,
legumes, frutas, grãos, carnes brancas, especialmente, peixe; e pelo não
consumo de guloseimas, alimentos calóricos, carne vermelha em excesso, gorduras
trans, industrializados, produtos de padaria. Sabemos que são esses os alimentos
causadores de câncer e doenças endócrino-metabólicas, cardiovasculares,
síndromes metabólicas, artroses, diabetes etc.
Normalmente, esse quadro de
desequilíbrio citado acima leva décadas para desencadear doenças graves como o
câncer, que deve acontecer a partir 50, 60 e 70 anos. Então, querido leitor,
você pode mudar seu futuro a partir de agora. Penso em quantas das pessoas que
visitam meu consultório não teriam mudado seus hábitos de vida, caso soubessem
pelo que passariam no futuro.
Nenhuma estatística que citei acima
descreve o desgaste do paciente e de seus familiares e amigos em lutar contra
uma doença – seja qual for – quando ela já se instalou! Prevenção sempre e, de
preferência, personalizada e individualizada conforme os fatores de risco – hereditários,
ambientais e hormonais – a que você está exposto.
*André Murad é
oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. Exerce a
especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas
(carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas
para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente. É diretor-executivo na clínica
integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada
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