Há cerca de 10 anos li um artigo na seção "Perspectives" do periódico New England Journal of Medicine que me impressionou. Os autores Reuben e Tinetti apresentaram "uma abordagem alternativa para melhorar a qualidade do atendimento, especialmente para pacientes com várias doenças crônicas, incapacidade grave ou expectativa de vida curta". Essa abordagem buscou avaliar se as metas de saúde de cada paciente estavam sendo devidamente alcançadas. [1] Uma tabela interessante compara os desfechos tradicionais aos orientados pelos objetivos dos pacientes. Um dos exemplos contidos nessa tabela é muito ilustrativo: tendo como parâmetro os níveis de biomarcadores no tratamento do diabetes ou da dislipidemia, o desfecho tradicional é a melhora desses biomarcadores, porém, considerando o desfecho orientado pelos objetivos do paciente, o controle dos biomarcadores é pouco percebido pelo paciente. Tinetti e colaboradores apresentaram agora a primeira descrição sistemática das prioridades do atendimento médico à população de idosos e descreveram um processo estruturado, por meio do qual podemos identificar os objetivos de vida dos idosos com múltiplas doenças crônicas, bem como suas preferências em relação aos cuidados médicos. [2] O que mostra essa avaliação? Para a inclusão no estudo, os participantes deveriam ter 65 anos ou mais e apresentar pelo menos três doenças crônicas que foram tratadas com pelo menos 10 medicamentos prescritos. Também era necessário que o paciente (a) estivesse sendo acompanhado por dois especialistas ou mais, (b) tivesse buscado atendimento em algum pronto-socorro pelo menos duas vezes no último ano ou (c) tivesse sido hospitalizado pelo menos uma vez no último ano. De 236 pacientes, 163 concordaram em participar do estudo (média de idade de 78 anos; média doenças crônicas por paciente: quatro). Os participantes foram solicitados a identificar seus valores/prioridades, os problemas de saúde que mais interferiam em seus objetivos e os cuidados em relação à saúde que eles consideravam úteis, inúteis ou onerosos (p. ex.: medicamentos, consultas, procedimentos, exames e autocuidado). Os pacientes referiram 459 objetivos, sendo os mais comuns: atividades com a família e amigos (24%), compras (6%), exercícios (4%) e vida independente (4%). Em relação aos medicamentos, quase 20% dos participantes consideraram que estavam tomando muitos medicamentos e 35% relataram sintomas incômodos relacionados com os medicamentos, mas não mencionaram medicamentos específicos. Entre os medicamentos considerados úteis, os mais citados foram: analgésicos não opioides (65%), medicamentos para dormir (53%) e inalantes (42%). Os medicamentos incômodos mais referidos foram estatinas (26%) e antidepressivos (32%). Além disso, 26% dos participantes disseram que as consultas médicas foram úteis, embora 9% tenham dito que estavam fartos de ir a tantos médicos. A realização de procedimentos foi considerada útil por 23% dos pacientes; 14% disseram que era algo indesejado. Entre 48 participantes com diabetes, o monitoramento da glicose foi descrito como factível para 37% e como incômodo para 18%. Entre as barreiras para alcançar as metas, quase 70% dos participantes identificaram uma ou mais barreiras relacionadas com a saúde. As barreiras mais citadas foram dor (41%), fadiga, falta de energia ou sono insatisfatório (14%), desequilíbrio da marcha, instabilidade ou neuropatia (13%), falta de ar e tontura (6%). Os autores apresentaram uma longa e prudente conclusão, na qual recomendam mais pesquisas, mas enfatizam a importância de avaliar os objetivos e as preferências dos pacientes para orientar as alternativas de conduta e de metas viáveis para a população de idosos com múltiplas doenças crônicas. Como podemos fazer essa avaliação na prática? No estudo, facilitadores devidamente capacitados guiaram os participantes a identificar seus valores/prioridades essenciais, determinar até três metas realistas e viáveis, reconhecer as barreiras para atingir essas metas e indicar até três atividades de saúde úteis e três incômodas. Um guia completo e detalhado [3] sobre como essa avaliação deve ser conduzida pode ser encontrado no suplemento do artigo, uma versão simplificada é apresentada como exemplo no quadro 1 (abaixo).
Os pacientes também podem realizar uma autoavaliação. O site recém-lançado MyHealthPriorities.org orienta sobre o processo de identificação das prioridades em relação à saúde. No final, o site disponibiliza um resumo para que o paciente apresente ao médico, que contém uma descrição das prioridades deste indivíduo em relação à saúde e às atividades que podem ser úteis e viáveis para ele. Quadro 1. Avaliação das preferências dos pacientes O que é mais importante (valores/prioridades) Atividades com amigos e familiares Metas de saúde mais importantes:são atividades ou resultados específicos e realistas que mostram que você está fazendo o que mais importa em sua vida. Essas metas de saúde são o que você deseja alcançar com a sua saúde. Sair para comer com sua esposa duas vezes por mês Começar a jogar pôquer com seus amigos semanalmente
Sintomas ou problemas mais incômodos que interferem nos objetivos de saúde: Sensação de cansaço/falta de energia Incontinência urinária
Cuidados e medicamentos úteis ou problemáticos Cuidados úteis: Autocuidado, consultas médicas, exames ou procedimentos que você considera mais úteis para alcançar seus objetivos de saúde e podem ser realizados sem muita dificuldade Consulta com um médico generalista Reabilitação
Medicamentos úteis: aqueles que você considera mais úteis para alcançar seus objetivos de saúde e que são simples de usar Medicamentos para controle da pressão arterial Pomada para artrite
Cuidados problemáticos: Autocuidado, consultas médicas, exames ou procedimentos que você considera inúteis para alcançar seus objetivos de saúde e são onerosos ou muito difíceis. Você deve conversar com seu médico sobre se estas medidas estão contribuindo para os seus objetivos. Caso não estejam, você poderia recusá-las ou reduzi-las? Se estiverem ajudando, há alguma maneira de simplificá-las? Cirurgias: não sei o quanto elas ajudam Dieta especial: não posso comer o que gosto
Medicamentos problemáticos: aqueles que você acha que não estão contribuindo para alcançar os seus objetivos e são muito problemáticos. Você deve conversar com seu médico sobre se estes medicamentos estão contribuindo para os seus objetivos. Caso não estejam, você poderia reduzir ou suspender o uso? Se estiverem ajudando, há uma maneira de torná-los menos problemáticos? Ingerir comprimidos com água: é incômodo, pois aumenta a quantidade de idas ao banheiro Injetar insulina: não gosto de agulhas, é difícil de enxergar e me preocupo com o nível glicêmico
A maior prioridade : indique o maior objetivo de saúde. Entre os sintomas ou problemas de saúde, cuidados ou medicamentos problemáticos, preencha A ÚNICA COISA na qual você deseja se concentrar para que possa fazer com mais frequência ou mais facilidade. A única coisa na qual o paciente deseja se concentrar é sentir menos cansaço para conseguir sair para comer com sua esposa e jogar pôquer com seus amigos mais frequentemente ou com mais facilidade. |
Implicações práticas Priorizar o doente à doença, individualizar e compartilhar as condutas são premissas básicas na atenção aos idosos. Nesse sentido, é importante avaliar as preferências e prioridades dos pacientes, pois elas podem divergir das nossas. Vale a pena pensar no assunto. Concordo com a frase “focar no que importa é muitas vezes o melhor remédio”. Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube
Fonte:https://portugues.medscape.com/verartigo/6506206? |
Comentários
Postar um comentário