Esse tipo de atividade física faz com que nos se sintamos menos impotentes e fragilizados
Por Danielle Friedman, The New York Times
09/07/2022 04h30 Atualizado há uma semana
Quando Cheng Xu estava servindo nas Forças Armadas do Canadá como paraquedista e oficial de infantaria, ele experimentou uma série de eventos traumáticos em rápida sucessão — seu melhor amigo e colega oficial tirou a própria vida, um soldado sob seu comando foi ferido durante um tiroteio em exercício e o pai de um amigo próximo foi sequestrado. Ele sentiu como se o mundo estivesse desmoronando ao seu redor em todos os lugares, exceto na academia, onde treinava levantamento de peso olímpico.
— A única coisa que eu tinha que me ancorava era o levantamento de peso, porque era o único lugar onde me sentia seguro — relata Xu, 32, agora estudante de doutorado em Toronto.
Cercado pelos halteres, ele descobriu o que descreveu como “as propriedades curativas do treinamento de força”.
Os psicólogos há muito estabeleceram que o exercício é benéfico para a saúde mental e, na última década, a pesquisa também mostrou que pode ser uma ferramenta valiosa para lidar com o transtorno de estresse pós-traumático. Agora, apesar das associações da musculação com o aumento de músculos, um número crescente de pessoas que sofreram trauma estão descobrindo que levantar pesos é um bálsamo. Para muitos, os poderes de cura do esporte se resumem ao fato de que, onde o trauma os deixou desamparados, impotentes e fracos, a musculação os ajuda a se sentirem fortes — não apenas fisicamente, mas também psicologicamente.
— Fazer musculação me deu um senso de escolha. Me deu uma sensação de controle — afirma Xu.
E com o tempo, disse ele, esses sentimentos o levaram à sua recuperação.
Aprendendo a literalmente empurrar para trás
Há muito tempo pessoas que já sofreram traumas vão em direção à sala de musculação, atraídas, em parte, pela promessa de maior força física. Mas esses levantadores de peso historicamente receberam pouca orientação sobre como treinar de uma maneira que sua saúde mental e recuperação sejam apoiadas. Os levantadores também tiveram que navegar em uma cultura de condicionamento físico que muitas vezes glorifica uma abordagem “sem dor, sem ganho”, com foco no desempenho e na aparência, em vez do bem-estar.
— Há muita masculinidade tóxica no treinamento de força — explica James Whitworth, fisiologista do exercício e especialista em ciências da saúde do Centro Nacional de Transtorno do Estresse Pós-Traumático e professor assistente da faculdade de medicina da Universidade de Boston, além de veterano de combate deficiente.
Mas à medida que mais pessoas de todos os gêneros e habilidades descobrem os benefícios da musculação, a comunidade vai se tornando mais inclusiva e expansiva. Grupos de saúde mental também começaram a formalizar o levantamento de peso como uma ferramenta terapêutica e a educar os treinadores sobre como orientar pessoas que vivem com traumas. Ao mesmo tempo, a comunidade científica está começando a estudar por quê, exatamente, algumas pessoas com trauma acham que levantar coisas pesadas as ajuda a se recuperar.
— Há algo na musculação e no trabalho com resistência que aumenta a resiliência. Não só no cérebro, mas também no corpo — esclarece Chelsea Haverly, assistente social e fundadora da Hope Ignited, uma organização sediada no estado de Maryland, nos Estados Unidos, dedicada a educar organizações e médicos sobre trauma.
No ano passado, Haverly e Emily Young, assistente social e personal trainer, criaram um programa de certificação de levantamento de peso baseado em trauma para treinadores, em um esforço para levar seus benefícios de saúde mental a mais pessoas.
— Com o levantamento não é apenas “eu posso fazer coisas difíceis”. É “meu corpo pode fazer coisas difíceis”. É “não me senti forte e agora me sinto uma fera” — afirma Haverly.
Rachel Sloane, fisioterapeuta respiratória de 36 anos e mãe de dois filhos, diagnosticada com Transtorno do Estresse Pós-Traumático complexo em 2021 após sofrer abuso físico e sexual, experimentou a transformação pela musculação. Ela inicialmente se voltou para o levantamento de peso com o desejo de cuidar do corpo, mas quanto mais treinava, mais se sentia segura e calma fora da academia.
— Eu nem estava tentando usar a musculação como meio de cuidar da saúde mental. Mas isso me deu um meio de resistir fisicamente contra todo o medo e impotência que eu estava sentindo o tempo todo — diz Rachel. — Depois de anos me sentindo impotente, tive experiências nas quais me senti poderosa, forte e capaz.
Encontrar a forma certa de exercício
À medida que mais pessoas com trauma afirmam os benefícios da musculação, Whitworth e outros pesquisadores trabalham para entender melhor os mecanismos psicológicos e neurológicos por trás de seu potencial como ferramenta terapêutica.
— Melhorar a força física de alguém de uma maneira que eles possam ver e sentir pode ser particularmente potente para indivíduos com Transtorno do Estresse Pós-Traumático ajudando a reformular sua visão de mundo, bem como suas visões de si mesmos — ressalta Whitworth.
Embora quase todo tipo de exercício seja benéfico para pessoas com trauma psicológico, eles colhem os maiores benefícios quando se envolvem em treinamento de intensidade moderada a alta, que inclui levantamento de peso. O treinamento de resistência de alta intensidade, especificamente, demonstrou ajudar a melhorar a qualidade do sono e a ansiedade , o que pode melhorar a saúde e o bem-estar geral.
E, no entanto, as pessoas que sofreram trauma geralmente evitam este tipo de exercício por causa da resposta ao estresse físico que ele pode gerar — pulso rápido, respiração pesada, temperatura corporal elevada — o que pode lembrá-los de seu trauma. Por esse motivo, é essencial ajudar os pacientes a encontrar o tipo de exercício adequado para eles.
Treinamentos de intensidade moderada a alta são os mais indicados por psicólogos e terapeutas — Foto: Unsplash
O ioga é frequentemente recomendado para pessoas com trauma por causa de seu foco na respiração e atenção plena, mas não é para todos.
— Há todo um grupo de pessoas que tem medo disso ou não são atraídas por várias razões. Alguns clientes acham que a relativa calma e quietude do ioga pode desencadear ansiedade — explica Mariah Rooney, assistente social, professora de ioga e levantadora de peso.
Em 2018, Rooney fundou a organização sem fins lucrativos Trauma Informed Weight Lifting para oferecer aos clientes uma forma alternativa de movimento.
— Já existem pessoas que estão se voltando para o levantamento, consciente ou inconscientemente, como parte de sua própria recuperação e cura — afirma Rooney.
Ela fundou seu grupo, em parte, para oferecer a mais pessoas oportunidades de fazer musculação de maneira segura e curativa, educando treinadores e terapeutas sobre os benefícios de saúde mental do treinamento de força, além de realizar pesquisas.
Algumas pessoas que acham a ioga muito calma e preferem exercícios aeróbicos de intensidade moderada a alta, como corrida e ciclismo, que estudos sugerem que podem ser especialmente úteis para pessoas com trauma. Mas outros lutam com isso, em parte porque acham que o exercício em espaços públicos, como parques, é um gatilho.
O poder do esforço em aumentos gradativos
Em seu livro de 2021, “Lifting Heavy Things: Healing Trauma One Rep at a Time” (Levantando Coisas Pesadas: Curando Trauma Uma Repetição Por Vez, em tradução livre do inglês), a personal trainer e sobrevivente de trauma de Manhattan, em Nova Iorque, Laura Khoudari, explicou que uma das razões pelas quais ela e outros se conectam ao levantamento de pesos é porque ele oferece pausas regulares na intensidade – o que permite que eles verifiquem consigo mesmos e avaliem como estão se sentindo, o que, por sua vez, ajuda a evitar ficarem sobrecarregados.
— As pausas dão ao seu sistema nervoso a chance de se acalmar — explica Khoudari, que também concluiu o curso de terapia de trauma corporal e se tornou uma das principais defensoras do levantamento de peso como forma de cura. — Quando estamos lidando com um trauma, nosso sistema nervoso geralmente tem menos capacidade de estresse e também menos resiliência. E assim você pode usar o treinamento de força para chegar ao limite de quanto estresse você pode suportar.
Com o tempo, isso pode expandir a janela de tolerância. Por esta razão, Whitworth e outros pesquisadores disseram que o levantamento de peso pode ser uma ferramenta útil para pessoas submetidas à terapia de exposição, durante a qual os terapeutas encorajam os pacientes a se concentrarem em suas memórias traumáticas para incrementos curtos e controlados – não muito diferente da natureza cíclica do treinamento de força. Com o tempo, essa exposição pode neutralizar as memórias, bem como o estresse físico relacionado.
— A ideia é que eles possam ficar realmente ansiosos no início. Mas com o tempo, os pacientes começam a processar o fato de que essas memórias e sentimentos não são perigosos — afirma Whitworth.
Combinar essa terapia com exercícios de alta intensidade, com a musculação, segundo ele, pode ser particularmente benéfico.
Para muitas pessoas com trauma, o levantamento de peso também as ajuda a se sentirem à vontade em seus corpos. Como Rooney explicou, “corpos são frequentemente os precursores do trauma e os portadores do trauma”, o que leva muitas pessoas a experimentar uma espécie de desconexão mente-corpo. Por exemplo, se alguém sofreu um trauma físico relacionado ao tronco, pode se sentir desconectado dessa parte do corpo como um mecanismo de enfrentamento. Mas a musculação pode ajudar a reconectar a mente e o corpo.
O agachamento durante a musculação, no qual se dobra o quadril e joelhos enquanto se coloca um peso nos ombros, é usado como exemplo por Rooney.
— Há algo em ter, por exemplo, uma barra nas costas que é como, "Uau, de repente eu posso sentir minha coluna. Eu posso sentir a parte de trás do meu corpo. E não me lembro da última vez que senti a parte de trás do meu corpo" — ela afirma.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2022/07/como-a-musculacao-impacta-na-saude-mental.ghtml
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