‘A hipertensão
arterial é uma assassina silenciosa’, diz cardiologista
Em entrevista ao GLOBO, Claudio
Domênico explica o que tem levado ao crescimento dos casos, por que 50% dos
pacientes não sabem que têm o diagnóstico e o que deve acender o alerta
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Rio de Janeiro
22/10/2023 04h30 Atualizado há 9
horas
Quem nunca ouviu uma recomendação para reduzir o consumo de sal para evitar o desenvolvimento da pressão alta? Ou que uma rotina de atividades físicas ajuda a controlar a pressão sanguínea? Muitas vezes, essas recomendações podem ficar de lado, especialmente para adultos jovens que encaram a hipertensão como um diagnóstico da terceira idade. Mas a realidade não é bem assim.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que 45% dos brasileiros adultos têm a pressão acima do ideal, e que cerca de metade dos pacientes sequer sabem disso. De fato, segundo a pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, somente 27,9% da população relata um diagnóstico.
O cenário acende o alerta, já que a doença é o principal fator de risco para problemas graves como AVC e infarto.
Abaixo, o médico explica como identificar a pressão alta, as dificuldades na adesão ao tratamento e as inovações que podem mudar o cenário.
Quanto exatamente a pressão arterial já se configura como alta?
A pressão é considerada ótima quando está em 120 por 80 (12 por 8). Quando passa de 130 por 85 (13 por 8) já entra na faixa de normal a alta. A partir de 140 por 90 (14 por 9), começa a ser pressão alta, e a pessoa é considerada hipertensa. É uma doença crônica e multifatorial, com causas genéticas, ambientais e, principalmente, de estilo de vida.
As doenças cardiovasculares causam mais de 350 mil mortes de brasileiros a cada ano. Qual a relação com a pressão alta?
O fator de risco mais importante para elas é a hipertensão, que está diretamente associada a pelo menos 45% dessas mortes. O grande problema é que ela é uma assassina silenciosa. Muitas pessoas têm hipertensão e não sabem, ou então não têm sintomas e por isso não realizam o tratamento corretamente.
Os dados da OMS mostram que 9,4 milhões de pessoas morrem no mundo a cada ano por complicações da hipertensão. A cada hora, são mais de mil pessoas. E nos últimos 30 anos, houve um aumento do número de pacientes, praticamente dobrou.
Quais são as complicações diretas da pressão alta?
É muito comum termos hipertensão associada a outras doenças, como diabetes, obesidade e dependência do cigarro. Quanto mais doenças, maior é o risco. As principais complicações são o que chamamos de lesão de órgão alvo. A pressão muito alta no coração, por exemplo, pode deixá-lo hipertrofiado, ou seja, crescido. Nas artérias, pode levar a um entupimento, uma cardiopatia hipertensiva. Nos vasos da retina, pode causar uma retinopatia hipertensiva. Dentro do rim, uma nefropatia hipertensiva. E quanto mais tempo sem tratamento, maiores são as chances de um problema.
O que está por trás do aumento dos casos de hipertensão?
São vários fatores. Tem um componente genético, um lado familiar, que afeta de 25% a 30% das pessoas. Tem fatores ambientais, como temperatura, poluição, barulho. Há fatores regulatórios do nosso próprio organismo, da função renal, da função endocrinológica. Mas as principais causas são o estilo de vida.
Cada vez se come mais comida industrializada, menos fibra, se fuma mais, a ansiedade só piora, o número de obesos aumenta. Há o consumo excessivo de álcool, o sono prejudicado, uma vida com estresse crônico e sedentarismo. Esse estilo de vida nocivo é um dos principais determinantes da hipertensão.
Outro fator importante é o excesso de sal. Devemos consumir em média 5g de sal de cozinha por dia, o que equivale a 2g de sódio. Mas o brasileiro consome em média 9g, quase o dobro.
A OMS aponta que cerca de metade das pessoas sequer sabe que tem hipertensão arterial. Por que isso acontece?
A grande maioria dos casos não tem sintoma nenhum. Normalmente, quando eles aparecem, ela já está estabelecida há algum tempo. A pessoa começa a se queixar de falta de ar, cansaço, espuma na urina, problema na visão. Nessa hora, a pressão alta pode já ter afetado o coração, o rim, a visão, a circulação, já ter causado a lesão alvo.
O que a pessoa deve fazer para evitar um subdiagnóstico de pressão alta?
Todo mundo, pelo menos uma vez por ano, deve verificar a pressão arterial, mesmo não sentindo nada. O diagnóstico é fácil, mas por ser silenciosa as pessoas não procuram o médico. A mulher tem uma vantagem porque tem o hábito de frequentar o ginecologista, que corretamente verifica a pressão. Mas o homem só costuma ir ao médico a partir dos 50 anos, quando fica preocupado com doenças como na próstata.
Além disso, as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) já recomendam que todas as crianças acima de 3 anos tenham a sua pressão verificada anualmente pelos pediatras.
Um dos grandes desafios é a baixa adesão ao tratamento, por que isso acontece?
A adesão ao tratamento é muito ruim por uma série de fatores. O paciente para de tomar o remédio porque ele é caro ou porque ele não está sentindo nenhum sintoma, passa a achar que não precisa. Às vezes a pessoa nega o diagnóstico, ou até mesmo houve uma comunicação ineficaz por parte dos profissionais de saúde.
No Brasil, os trabalhos apontam que somente de 43% a 67% dos pacientes têm a pressão controlada. Os dados da OMS mostram um cenário ainda pior, com 4 de cada 5 pessoas sem o tratamento adequado no mundo. É um dos problemas mais sérios que enfrentamos.
Como é o tratamento da hipertensão hoje?
O tratamento deve ser sempre individualizado, não é uma receita de bolo. Primeiro, existe a abordagem não farmacológica, as medidas de higiene do sono, o perder peso, parar de fumar, fazer atividade física. A SBC já orienta até técnicas de respiração, meditação mindfulness, tudo que pode ajudar a baixar a pressão.
Depois, se não houver resultados, se pensa em utilizar os medicamentos. O grande avanço hoje são formulações que envolvem dois, três remédios em apenas uma pílula. Isso facilita a adesão. Há ainda testes genéticos para tentar identificar marcadores associados ao quadro que auxiliem no tratamento.
Existe uma perspectiva de melhora desse cenário com novas tecnologias que vêm surgindo?
A telemedicina ajudou muito porque ampliou o acesso a pessoas que às vezes não têm um especialista próximo. Além disso, hoje existem smartwatches que conseguem medir a pressão. Ainda são caros, mas a vantagem é que ele verifica durante o dia inteiro, fazendo uma espécie de mapa.
A ideia é que esses relógios forneçam a saturação do oxigênio, a frequência cardíaca, a pressão arterial, a qualidade do sono, quantos passos foram dados, e o paciente envie esse monitoramento para o médico, para uma avaliação mais completa. Isso é muito bom, é para o que devemos caminhar no futuro.
Mas o acesso ainda é restrito. É como as canetas para perder peso, por exemplo, são ótimas, mas são caras e não alcançam todos os pacientes com obesidade. Precisamos pensar também em políticas públicas amplas. A Farmácia Popular, criada em 2004, tem dispensação de remédios para hipertensão arterial e faz muita diferença.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/10/22/a-hipertensao-arterial-e-uma-assassina-silenciosa-diz-cardiologista.ghtml
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