Mudanças no estilo de vida podem evitar mais de 40% dos casos de Alzheimer
No Dia Mundial do Alzheimer, pesquisadora da área de medicina explica os fatores de risco que podem ser administrados para prevenir demência; confira
Por Stefanie Tremblay* | The Conversation
21/09/2023 09h27 Atualizado há um mês
Episódios assim são muito comuns.
A demência continua sendo muito pouco detectada, mesmo em países de alta renda, como o Canadá, onde as taxas de casos não diagnosticados ultrapassam 60%. A crença de que os déficits cognitivos são normais em pessoas idosas, a falta de conhecimento sobre os sintomas e os critérios de diagnóstico entre médicos aparecem como os principais responsáveis por casos não detectados e por atrasos no diagnóstico, de acordo com um estudo brasileiro.
O Brasil, aliás, é uma referência no estudo da doença, cujo combate em todo mundo ganha destaque essa semana, com a celebração, no dia 21 de setembro, do Dia Mundial de Conscientização da Doença de Alzheimer, criado pela Associação Internacional do Alzheimer para fortalecer a divulgação de informações sobre os principais sintomas, formas de tratamento e aconselhamento para os familiares dos pacientes.
Alertas e prevenção precoces são fundamentais
As perdas de memória relacionadas à idade não devem ser descartadas como parte do envelhecimento normal. Esquecer de vez em quando onde estacionamos o carro ou onde deixamos as chaves pode acontecer com qualquer pessoa, mas quando essas situações se tornam frequentes, é importante procurar orientação médica.
Embora pequenas alterações na capacidade de pensar e lembrar informações não cheguem a se tornar Alzheimer para muita gente, para outros, esses declínios constituem um sinal de alerta precoce. Pesquisas indicam que pessoas com alterações leves na cognição correm um risco maior de desenvolver a doença mais tarde na vida. De fato, foi demonstrado que o processo da doença (que altera a estrutura e o metabolismo do cérebro) começa décadas antes do aparecimento de sintomas como a perda de memória.
Além disso, é cada vez mais reconhecido na comunidade científica que as intervenções para retardar ou prevenir o desenvolvimento de Alzheimer têm maior probabilidade de serem eficazes quanto mais cedo iniciadas. No entanto, os protocolos para diagnóstico precoce não estão padronizados na medicina, em parte porque ainda existem lacunas significativas em nossa compreensão da demência.
Alzheimer e envelhecimento da população
Na minha pesquisa, utilizo métodos avançados de ressonância magnética cerebral para caraterizar a saúde do cérebro de adultos mais velhos que correm um risco elevado de desenvolver Alzheimer. O objetivo é identificar novos biomarcadores de patologia precoce, que poderão conduzir a melhores métodos de deteção no futuro.
No Canadá, a proporção de canadenses idosos está aumentando. A demência está fortemente associada ao envelhecimento, portanto se espera que o número de cidadãos diagnosticados com demência – incluindo Alzheimer – aumente consideravelmente nas próximas décadas, alcançando um milhão de pessoas no país só em 2030. Isto é mais do que a população da província de Manitoba, no sul canadense.
O aumento previsto exercerá uma enorme pressão sobre os sistemas de saúde, já sobrecarregados por si só, se não forem tomadas medidas significativas para inverter esta tendência. Isto significa que as estratégias de prevenção eficazes são agora mais urgentes do que nunca.
Notícias sobre novos e promissores medicamentos para tratar Alzheimer também realçam a necessidade de uma detecção precoce. Os ensaios clínicos demonstraram que tais medicamentos são mais eficientes para abrandar o declínio cognitivo quando administrados em uma fase inicial da doença.
Embora novas opções de tratamento representem um avanço no controle de Alzheimer, é preciso investigar mais. As novas terapias atuam apenas em uma parte do processo da doença (a redução dos níveis de amiloide, uma substância considerada tóxica para os neurônios). Ou seja, podem abrandar o declínio cognitivo em apenas um grupo restrito de pacientes. É necessário compreender melhor as caraterísticas de outros processos, de maneira personalizada, para combinar tais tratamentos com outras estratégias.
Sem contar os recursos financeiros e humanos que serão necessários para administrá-los, o que pode dificultar o acesso a esses novos tratamentos, especialmente nos países de baixa e média renda, onde os casos estão aumentando mais.
Estilo de vida e saúde do cérebro
As mudanças no estilo de vida, por outro lado, mostram que é possível reduzir o risco de desenvolver Alzheimer a custos mínimos e sem efeitos colaterais. Ao tornar a avaliação do risco de demência uma rotina nas consultas médicas para idosos, as pessoas com maior risco poderiam ser identificadas e orientadas sobre como manter a saúde cognitiva do cérebro.
Pacientes em risco provavelmente precisam mais dessas intervenções (possivelmente uma combinação de intervenções farmacêuticas e de estilo de vida), mas qualquer pessoa pode se beneficiar da adoção de hábitos de vida saudáveis, que são conhecidos por proteger contra doenças não apenas do cérebro, mas também do coração e de outros órgãos.
De acordo com um relatório de 2020, publicado pela reconhecida revista científica The Lancet, 40% dos casos de demência podem ser atribuídos a 12 fatores de risco modificáveis. Esses fatores incluem pressão alta, obesidade, sedentarismo, diabetes, tabagismo, consumo excessivo de álcool e contato social pouco frequente. Isso significa que, ao adotar hábitos de vida saudáveis, poderíamos teoricamente evitar cerca de 40% das demências, segundo o informe. Embora não haja garantia de evitar o declínio cognitivo, as pessoas podem reduzir bastante os riscos aumentando os níveis de atividade física e intelectual, além do contato social, evitando o fumo e limitando o consumo de álcool.
Algumas evidências sugerem ainda que a dieta mediterrânea, que prioriza o alto consumo de vegetais (especialmente folhas verdes) e reduz o consumo de gorduras saturadas e carne, também é benéfica para a saúde do cérebro.
Em resumo, ao incentivar as pessoas a serem física, mental e socialmente ativas, um número significativo de casos de demência poderia ser mantido sob controle.
O papel do Estado nos estilos de vida
Ao mesmo tempo, mudanças nas políticas públicas poderiam abordar as desigualdades sociais que levam à ocorrência de vários fatores de risco e à maior prevalência de demência em populações vulneráveis. As pessoas com maior risco de problemas de saúde incluem aquelas com status socioeconômico mais baixo, com deficiências, afrodescendentes, migrantes, indígenas, minorias étnicas e populações LGBTQ+. No caso do Canadá, apesar de ter um sistema de saúde universal, o país também apresenta desigualdades na área.
Políticas públicas poderiam abordar essas desigualdades não apenas promovendo estilos de vida saudáveis, mas também tomando medidas para melhorar as condições em que essas pessoas vivem. Alguns exemplos são melhorar o acesso a centros esportivos ou clínicas de prevenção para pessoas de baixa renda e projetar cidades que sejam propícias a atividades físicas e sociais. Os governos precisam avaliar e abordar as barreiras que impedem indivíduos de grupos específicos de adotar hábitos de vida saudáveis.
Devemos ser ambiciosos com relação à prevenção. O futuro do nosso sistema de saúde e o da nossa própria saúde depende disso.
* Stefanie Tremblay é doutoranda em física médica na Universidade Concordia, do Canadá. Ela pesquisa biomarcadores de ressonância magnética do declínio da saúde cerebral no envelhecimento.
Este texto foi originalmente publicado no site The Conversation.
Fonte:https://revistagalileu.globo.com/saude/noticia/2023/09/mudancas-no-estilo-de-vida-podem-evitar-mais-de-40percent-dos-casos-de-alzheimer.ghtml
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