Covid longa: o que a ciência sabe sobre a perda de olfato e paladar
02/10/2022 às 11:49
Problema afeta cerca de 5% dos pacientes recuperados da Covid-19, que desenvolveram danos duradouros ao paladar e olfato, de acordo com estudo
Imagine acordar uma manhã depois de se recuperar da Covid-19 e descobrir que seu café cheira a meias sujas, seus ovos cheiram a fezes e seu suco de laranja tem gosto metálico. Estranhamente, isso é uma coisa boa: é um sinal de que você ainda tem um olfato funcionando – mesmo que esteja mal conectado em seu cérebro.
Sua capacidade de sentir cheiros também pode desaparecer completamente, uma condição chamada anosmia. Sem aviso, você não pode mais inalar o cheiro doce da pele do seu bebê, as rosas oferecidas por seu parceiro ou o cheiro pungente de suas roupas de ginástica.
Gosto e cheiro estão interligados, então a comida pode ficar sem graça ou sem sabor. O apetite e o prazer da vida podem despencar, o que estudos anteriores mostram que pode levar a déficits nutricionais, declínio cognitivo e depressão.
O perigo espreita também. Sem cheiro, você pode não reconhecer os sinais indicadores de incêndios, vazamentos de gás natural, produtos químicos venenosos ou alimentos e bebidas estragados.
Essa é a realidade de cerca de 5% dos sobreviventes globais da Covid-19 que agora desenvolveram problemas duradouros de paladar e olfato, de acordo com um estudo de 2022. Mais de dois anos após a pandemia, os pesquisadores descobriram que cerca de 15 milhões de pessoas ainda podem ter problemas para perceber odores, enquanto 12 milhões podem ter problemas com o paladar.
Grupos de apoio e defesa, como AbScent e Fifth Sense, se mobilizaram para ajudar, oferecendo afirmação e esperança, dicas sobre treinamento do olfato e até receitas para aumentar o apetite.
O treinamento olfativo encoraja as pessoas a cheirar óleos essenciais duas vezes ao dia, disse a rinologista Zara Patel, professora de otorrinolaringologia, cirurgia de cabeça e pescoço na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
“A maneira como eu explico isso aos pacientes é que se você tivesse um derrame e isso fizesse seu braço não funcionar, você faria fisioterapia, faria reabilitação”, disse Patel. “Isso é exatamente o que o treinamento olfativo é para o seu olfato.”
À medida que a ciência aprende mais sobre como a Covid-19 ataca e perturba o olfato, “acho que veremos intervenções mais direcionadas”, disse o rinologista Justin Turner, professor associado de otorrinolaringologia, cirurgia de cabeça e pescoço no Vanderbilt University Medical Center em Nashville.
Qualquer pessoa que ainda esteja enfrentando problemas com a perda de olfato e paladar “deve pensar positivamente e assumir que seu olfato retornará”, disse Turner. “Sim, há algumas pessoas que não vão se recuperar, então, para essas pessoas, queremos que não ignorem. Queremos que levem a sério”.
Casos explodiram devido à Covid-19
As pessoas vêm perdendo o olfato e o paladar há séculos. Vírus comuns de resfriado e gripe, pólipos nasais, distúrbios da tireoide, alergias graves, infecções sinusais e condições neurológicas, como doença de Alzheimer, de Parkinson e esclerose múltipla, podem prejudicar a capacidade de olfato e paladar – às vezes, permanentemente.
Assim como traumatismo craniano, exposição a produtos químicos nocivos, tratamentos de câncer, tabagismo, doenças gengivais, antibióticos e vários medicamentos para pressão arterial, colesterol, refluxo e alergia, de acordo com a Cleveland Clinic.
Envelhecer é uma das principais causas da perda do olfato, pois a capacidade dos neurônios olfativos de se regenerar diminui. Um estudo realizado em 1984 apontou que mais de 50% das pessoas entre 65 e 80 anos sofriam de “grande deficiência olfativa”. O número subiu para mais de 75% para pessoas com mais de 80 anos.
Quando o vírus que causa a Covid-19 invadiu nossas vidas, uma condição relativamente rara entre pessoas com menos de 50 anos se expandiu exponencialmente, afetando todas as idades.
“A Covid-19 afetou os jovens muito mais do que outras formas de perda de olfato pós-viral”, disse o cirurgião Eric Holbrook, professor associado de otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço da Harvard Medical School. “Você não veria muita perda de olfato na população pediátrica, por exemplo, e agora é muito comum”.
De fato, a perda do olfato era tão prevalente no início da pandemia que foi considerada um sinal precoce de infecção por Covid-19, mesmo na ausência de outros sintomas.
Isso não é verdade hoje. Um estudo publicado em maio indicou que 17% das pessoas perderam o olfato quando infectadas com a variante Ômicron, que se tornou a cepa predominante do vírus que causa a doença no final de 2021. (Isso pode mudar novamente se o vírus sofrer mutação).
Em comparação, as pessoas infectadas com as duas variantes originais, Alfa e Beta, tinham 50% mais chances de perder o olfato ou o paladar. A Delta foi quase tão ruim – 44% das pessoas foram afetadas, de acordo com o estudo.
As estatísticas mostram que a maioria das pessoas recupera o paladar e o olfato. Uma análise de agosto de 267 pessoas que perderam o olfato e paladar há pelo menos dois anos revelou que a maioria recuperou totalmente (38,2%) ou parcialmente (54,3%) sua capacidade de olfato e paladar. Isso foi especialmente verdadeiro para pessoas com menos de 40 anos, de acordo com o estudo.
Mas 7,5% não recuperaram o olfato e o paladar dois anos após a infecção por Covid-19 ter sido eliminada. Aqueles que eram menos propensos a se recuperar incluíam pessoas com congestão nasal existente, mais mulheres do que homens e aqueles que tinham uma maior gravidade inicial de perda de olfato, segundo o estudo.
Como ocorre o dano
Como a Covid-19 danifica o sistema olfativo? No início, os cientistas acreditavam que o vírus infectava neurônios no nariz responsáveis pela transmissão de cheiros do ambiente para o cérebro. Esses neurônios ficam nos bulbos olfativos no topo de cada narina e enviam axônios, ou cabos, para pontos sensoriais únicos no cérebro.
Logo estudos mostraram que o vírus não entra nesses neurônios. Em vez disso, ataca as células de sustentação, também conhecidas como células de suporte, que fornecem nutrição e proteção às células nervosas desde o nascimento. Ao contrário de muitas outras células, os neurônios do nariz renascem a cada dois ou três meses.
“A infecção (Covid-19) dessas células de suporte provavelmente tem algum tipo de efeito de longo prazo na capacidade desses neurônios de se regenerarem com o tempo”, disse Turner.
“Essa é uma das razões pelas quais às vezes vemos um efeito retardado: as pessoas podem ter alguma perda de olfato que se recupera e, mais tarde, têm uma segunda onda de perda de olfato, parosmia ou outros sintomas porque essa capacidade regenerativa está com defeito”, disse ele.
Parosmia é o termo médico para cheiros distorcidos, que muitas vezes podem ser bastante repugnantes, disse Zara.
“Infelizmente, existem essas categorias clássicas de cheiros e sabores realmente terríveis”, disse ela. “Às vezes são fezes, lixo ou meias velhas e sujas. Pode haver um tipo de cheiro e sabor químico doentio e doce. Ah, e carne podre é outra categoria comum”.
Para muitas pessoas, a parosmia tende a ocorrer ou reaparecer na marca de três meses, mais ou menos na época em que os neurônios olfativos estariam se regenerando naturalmente, disseram especialistas à CNN.
“Se a reconexão errar o alvo e atingir um ponto diferente no cérebro reservado para um odor diferente, sua percepção do olfato será totalmente prejudicada”, disse Holbrook.
“Você tem que confiar na capacidade desses axônios de se retrair e depois encontrar o caminho para o lugar certo”, acrescentou. “Ou, se não estiverem corretos, espere que esses neurônios morram e que novos voltem e encontrem o ponto certo”.
A ciência continua a descobrir maneiras pelas quais o vírus ataca. Um estudo de fevereiro indicou que também pode danificar os receptores olfativos que ficam na superfície das células nervosas do nariz. Esses receptores ligam cheiros e acionam os impulsos nervosos que transmitem a informação ao cérebro.
Também pode haver um componente genético. Um estudo de janeiro mostrou uma mutação em dois genes sobrepostos, UGT2A1 e UGT2A2, que desempenham um papel no metabolismo de odores. Pessoas com essa mutação podem ser mais suscetíveis a perder o olfato, mas são necessários mais estudos para determinar a associação do vírus aos genes – se houver.
As pessoas mais velhas e com doenças crônicas que afetam o sistema nervoso, como diabetes, geralmente são mais suscetíveis a danos olfativos, disse Zara.
“São os vasos muito pequenos do corpo, incluindo o nariz, que são afetados pelo diabetes, perturbando o fluxo de sangue, nutrientes e oxigênio para esses nervos olfativos”, disse ela. “Pessoas com sinusite crônica ou inflamação alérgica no nariz – qualquer coisa que torne mais difícil para o nosso sistema se recuperar provavelmente também estarão em maior risco”.
Fonte:https://www.cnnbrasil.com.br/saude/covid-longa-o-que-a-ciencia-sabe-sobre-a-perda-de-olfato-e-paladar/
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