Por que as mulheres têm mais depressão e ansiedade do que os homens?
Transtornos são duas vezes mais comuns nelas do que neles. Mulheres também lideram estatísticas de tentativa de suicídio
Por Marcella Centofanti, Colaboração Para Marie Claire — São Paulo
10/10/2023 16h55 Atualizado há 3 meses
Os números não mentem: as mulheres sofrem mais de transtornos mentais comuns do que os homens. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, elas têm duas vezes mais probabilidade do que eles de desenvolver depressão e ansiedade, os diagnósticos mais comuns nessa seara.
A psiquiatra Mariana Echegaray, formada pela Universidade de São Paulo (USP), explica que os estudos não apontam um único fator para essa discrepância: “A relação de causalidade em transtornos mentais não é simples. Existem componentes genéticos, ambientais, sociais e hormonais envolvidos”. A violência de gênero, no entanto, certamente é um desses elementos.
As mulheres também sofrem muito mais pressão estética do que eles. Não à toa, os transtornos alimentares afetam o gênero em 85 a 90% dos casos, segundo a Associação Americana de Psiquiatria.
O papel do cuidado
Entre as inúmeras responsabilidades que a sociedade impõe às mulheres está a função de cuidar do outro. Desde a infância, as meninas são incentivadas a desempenhar esse papel, brincando de mamãe e dona de casa, enquanto os brinquedos dos meninos envolvem ação e aventura. Essa distinção cultural coloca um fardo extra sobre elas, internalizando a ideia de que é sua tarefa tomar conta de alguém.
Um estudo realizado nos Estados Unidos em 2009 analisou a taxa de divórcio em 515 homens e mulheres diagnosticados com câncer ou esclerose múltipla, uma doença neurológica com repercussões graves. O número total de separações foi de 11,6%.
No entanto, quando os dados foram divididos de acordo com o gênero, os cientistas observaram que, na verdade, 20,8% do total de mulheres foram abandonadas pelos maridos após o diagnóstico da condição de saúde, ante 3% dos homens.
Ou seja, elas têm seis vezes mais chance de serem deixadas durante o tratamento de uma doença grave do que eles. “Isso nos mostra como os homens não estão acostumados a cuidar do outro e essa tarefa sobra a mulher”, diz a psiquiatra.
Fatores hormonais
Alguns transtornos mentais são exclusivos delas, como os quadros perinatais de depressão pós-parto ou de psicose puerperal. Outros exemplos são o transtorno disfórico pré-menstrual, quando a pessoa tem sintomas de TPM exacerbados, ou a piora dos transtornos depressivos, por exemplo, durante o período da menopausa. Esses quadros são diretamente associados à alteração hormonal.
“Na depressão pós-parto também entra a questão do cuidado, porque normalmente a mãe fica sobrecarregada na função de tomar conta do bebê”, afirma Mariana Echegaray.
A psiquiatra enfatiza a importância do autocuidado, em uma metáfora com o procedimento de colocar a máscara de oxigênio em um avião. Antes de ajudar os outros, é crucial olhar primeiro para si mesma. O autocuidado envolve buscar auxílio da rede de apoio e, se necessário, de profissionais de saúde mental.
Além disso, Mariana Echegaray destaca a importância de cuidar da saúde física, incluindo sono adequado, alimentação balanceada, atividade física regular e a abstenção do tabagismo: “A mente e o corpo estão interligados e devem ser tratados de maneira integral”.
Suicídio feminino
No universo da saúde mental, o suicídio é visto como um problema masculino, uma vez que causa de morte de quatro homens para cada mulher. Elas, porém, lideram as estatísticas em número de tentativas. Estima-se que as tentativas sejam de dez a 40 vezes maiores do que o número de óbitos.
O psicanalista Felipe de Baére debruçou-se durante o seu mestrado na Universidade de Brasília (UnB) sobre um fenômeno conhecido como paradoxo de gênero do comportamento suicida. Segundo ele, o gênero está presente em todas as fases do suicídio, desde a ideação até a tentativa.
“A interpretação do ato em si também é afetada pelo gênero. Por exemplo, muitas vezes, as tentativas de homens são vistas como mais perigosas devido aos métodos utilizados, como armas de fogo, enquanto as de mulheres podem ser desqualificadas como uma busca por atenção”, explica.
Esse estigma reflete o que é conhecido como gaslighting, uma tendência de desqualificar as emoções das mulheres: “A ideia de que elas são menos racionais ou sérias porque expressam suas emoções cria um grande silenciamento das dores emocionais. Isso pode levar ao sofrimento silencioso, o que é perigoso quando se trata de saúde mental”.
Na literatura científica, o estado civil é visto com um fator de proteção contra o suicídio. Solteiros e viúvos morrem mais por essa causa. “Isso até pode valer para os homens. Mas a minha pesquisa mostrou que estar em um relacionamento amoroso não era um fator de proteção para as mulheres. Ao contrário, era um fator de risco”, afirma.
Os relacionamentos amorosos têm um peso significativo na identidade social das mulheres, como demonstram as pesquisas de Valeska Zanello, orientadora de Felipe de Baére. A pressão cultural para manter um namoro ou um casamento faz com que muitas mulheres permaneçam em situações conjugais ruins e até violentas.
A ameaça de um término é vista como assustadora, criando um ambiente onde elas sofrem em silêncio.
“Algo que se mostrou forte entre as entrevistadas na minha pesquisa foi a presença de homens muito violentos ou negligentes, seja uma figura paterna, seja um relacionamento amoroso. Isso vale para mulheres bissexuais, lésbicas e heterossexuais”, diz o psicanalista.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/saude/noticia/2023/10/por-que-as-mulheres-tem-mais-depressao-e-ansiedade-do-que-os-homens.ghtml
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