'A GRANDE DIFICULDADE PARA UM TRATAMENTO EFICAZ DO ALZHEIMER É QUE AINDA CONHECEMOS MUITO POUCO DA DOENÇA', DIZ NEUROLOGISTA DA USP

 Ilustração mosra placas de proteína beta-amiloide (em laranja) entre neurônios de paciente da doença de Alzheimer

'A grande dificuldade para um tratamento eficaz do Alzheimer é que ainda conhecemos muito pouco da doença', diz neurologista da USP

Das causas à prevenção, especialista explica tudo o que a ciência sabe sobre o diagnóstico que afeta 30 milhões de pessoas no mundo

 

Por Bernardo Yoneshigue, AFP

21/09/2022 05h46  Atualizado há um ano


Comemorado nesta quarta-feira, o Dia Mundial do Alzheimer busca aumentar a visibilidade e reduzir os estigmas envoltos na doença. Responsável por cerca de 70% dos casos de demência no mundo, o diagnóstico ainda é alvo de uma série de incertezas, como os mecanismos exatos que levam aos danos no cérebro, porém há alguns pontos que já são compreendidos pela ciência.


Conhecida por seu sintoma mais característico, a perda progressiva da memória, a doença afeta mais de 30 milhões de pessoas em todo mundo, num ritmo que deve triplicar nas próximas décadas segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).


Ainda sem cura, os esforços hoje se concentram em maneiras de aumentar a qualidade de vida dos pacientes e implementar medidas que podem reduzir o risco para que ela apareça em primeiro lugar.

Em 5 pontos, veja tudo o que se sabe sobre a doença de Alzheimer, desde as causas à prevenção.

O que é o Alzheimer?

A doença de Alzheimer leva o nome do médico que a descreveu pela primeira vez, o alemão Alois Alzheimer, em 1906. Ela é classificada como uma patologia neurodegenerativa, ou seja, provoca uma deterioração progressiva das habilidades cognitivas, até que o paciente eventualmente perde a autonomia por não conseguir realizar tarefas cotidianas.

— Décadas depois que a doença foi descrita, descobrimos as placas formadas pelo acúmulo das proteínas beta-amiloide no exterior do neurônio e da proteína Tau no interior. A doença foi então definida por meio da presença das placas das duas proteínas no cérebro. No paciente, elas levam ao processo degenerativo que causa os sintomas como a perda de memória, de linguagem, até que leva à fase final da doença que é a demência grave — explica o neurologista do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) Adalberto Studart Neto, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

Entre os sintomas mais comuns da doença, estão esquecimentos frequentes, problemas de orientação, transtornos da função executiva – como planejar, organizar, gerenciar o tempo, ter pensamentos abstratos – e transtornos da linguagem – como problemas para se comunicar.

Quantos sofrem da doença?

De acordo com a OMS, mais de 55 milhões de pessoas em todo mundo sofrem de demência – nome dado a uma síndrome que compreende os diversos diagnósticos que causam neurodegeneração. Porém, é comum que as pessoas confundam as referências à demência com o próprio Alzheimer, uma vez que a doença é a principal causa da perda cognitiva.

Estima-se que ela representa de 60% a 70% dos casos totais de demência, o equivalente a aproximadamente 30 milhões de pessoas. Os demais casos são provocados principalmente pelos quadros chamados de demências vasculares, secundários a eventos como um acidente vascular cerebral (AVC). Mas há ainda diagnósticos ligados a outros problemas de saúde, como alcoolismo e doença de Parkinson, por exemplo.

A OMS prevê ainda que o número de pessoas com demência triplique até 2050, chegando a quase 150 milhões de pessoas, especialmente pelo crescimento em países de renda média e baixa. Segundo especialistas, isso acontece por se tratarem de nações mais populosas, como é o caso do Brasil, que passam somente agora por um processo mais acelerado de envelhecimento da população. Além disso, carecem de acesso amplo à educação de qualidade e a sistemas de saúde, o que favorece o surgimento da doença.

Quais são as causas do Alzheimer?

Embora o Alzheimer seja a forma de demência mais comum, suas causas e mecanismos exatos ainda são amplamente desconhecidos. Os dois fenômenos das placas de proteína, por serem encontrados entre os pacientes com a doença, têm sido associados fortemente ao diagnóstico nos últimos 20 anos.

O acúmulo das beta-amiloide no exterior dos neurônios comprimem as células e acabam destruindo-as. Já as placas da proteína Tau ocorrem no interior, mas também causam a morte das células cerebrais afetadas.

— Mas nós não sabemos por que essas proteínas se acumulam. Existe uma hipótese de que o paciente tenha primeiro falhas no mecanismo de limpeza de resíduos no cérebro, porque as proteínas são normalmente produzidas no órgão, só que o acúmulo é tóxico para o neurônio — explica o neurologista da USP.

Uma das evidências que embasa essa tese foi publicada neste ano na revista científica Nature Neuroscience. Segundo o estudo, conduzido por pesquisadores do Langone Health, centro médico da Universidade de Nova York, e do Instituto Nathan S. Kline para pesquisa psiquiátrica, ambos nos Estados Unidos, a causa da neurodegeneração estaria inicialmente no interior dos neurônios.

Os cientistas observaram uma diminuição na atividade de “digestão” de resíduos metabólicos das reações celulares cotidianas dentro de organelas dos neurônios antes da formação das placas beta-amiloides, uma constatação que pela primeira vez alega um dano nas células anterior ao acúmulo das proteínas.

Já em relação ao que se sabe sobre genética, ele conta que 99% dos pacientes são casos poligênicos, ou seja, com uma série de genes que já se sabe influenciarem para a doença, mas cuja presença não leva sozinha ao diagnóstico. Em apenas 1%, existe o que se chama de Alzheimer genético, quando uma mutação de um gene específico, bem conhecido, de fato provoca a maior produção da beta-amiloide. Portanto, a biologia da maioria permanece incerta, e há ainda fatores ambientais ligados à doença, mas que não são bem compreendidos.

Além disso, neste ano, uma investigação publicada na revista científica Science revelou indícios de fraude e manipulação em imagens utilizadas num estudo da Nature de 2006 sobre o Alzheimer que foi um dos grandes responsáveis por consolidar a teoria da cascata amiloide – que relaciona a formação das placas de proteína ao desenvolvimento da doença – o que tornou o cenário ainda mais confuso.

Quais são os remédios para tratar o Alzheimer?

Apesar de décadas de pesquisa, o desconhecimento sobre os mecanismos exatos envolvidos no Alzheimer fazem com que nenhum tratamento hoje permita curar, ou mesmo retardar de forma efetiva a neurodegeneração. Com base na teoria da cascata amiloide, um medicamento chegou a ser desenvolvido pelo laboratório Biogen, dos EUA, que age limpando as placas da proteína no cérebro.

O Aducanumab, como é chamado o remédio, foi aprovado em 2021 no país norte-americano, a primeira vez que um tratamento direcionado ao Alzheimer recebeu um aval em 18 anos. No entanto, esse movimento não foi um consenso na comunidade científica, e a aprovação foi concedida apenas nos EUA.

A Anvisa, por exemplo, não deu o sinal verde. Outras agências pelo mundo citaram a falta de dados que comprovem um benefício clínico para os pacientes. Isso porque, ainda que ele consiga limpar as placas de proteína, não foi observada uma melhora significativa nos sintomas do Alzheimer entre os participantes.

— Investimento para medicamentos não faltam, mas a falha dos remédios para limpar as proteínas beta-amiloide foi um banho de água fria. Nós não temos muita esperança de que o Aducanumab vá para a frente, a perspectiva na comunidade científica é baixa. Ele foi efetivo em limpar as proteínas beta-amiloides, mas não proporcionou melhoras clínicas. A grande dificuldade para um tratamento efetivo é que ainda desconhecemos muitos dos mecanismos que causam a doença — explica o neurologista da USP.

Ele pondera, no entanto, que há uma série de fármacos sendo testados para atuarem em outras frentes da patologia. Embora ainda em fases iniciais, ele acredita que, no futuro, é possível que um tratamento medicamentoso que envolva diferentes mecanismos do Alzheimer tenha um maior sucesso.

— Hoje, muitos ensaios clínicos testam fármacos direcionados para a proteína TAU, mas em fase inicial. Existem também medicamentos direcionados para a inflamação que a doença provoca, outras envolvendo terapia gênica, são muitas pesquisas. Talvez no futuro, daqui a 20 anos, não seja um único medicamento, mas uma série de remédios que atuem nas diferentes frentes da patologia oferecendo um tratamento combinado — avalia o especialista.

Ainda que não existam opções capazes de atuar na neurodegeneração, Studart Neto destaca que há fármacos hoje que conseguem ao menos minimizar os sintomas provocados pela doença e oferecer uma melhora na qualidade de vida do paciente.

— Por exemplo, sabemos que os pacientes têm um déficit de um neurotransmissor chamado acetilcolina, cuja falta leva a distúrbios de memória, de atenção. Então existem medicamentos para repor a substância. Mas de modo geral são terapias sintomáticas, não vão intervir no processo biológico da neurodegeneração, mas vão dar mais qualidade de vida ao paciente e fazer com que clinicamente ele evolua de uma forma mais lenta — pontua o neurologista da ABN.

Quais são os fatores de risco para o surgimento do Alzheimer, e como prevenir?

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde e Medicina (Inserm) da França, o principal fator de risco é a idade. A possibilidade de ser diagnosticado com o Alzheimer aumenta a partir dos 65 anos, e dispara após os 80 anos.

Além disso, quando não controlados na meia-idade, aspectos com impactos cardiovasculares – como pressão alta, diabetes e hipertensão arterial – também são associados a uma maior frequência da doença, embora ainda não se saiba exatamente por quais mecanismos. O sedentarismo é outro fator de risco, assim como os micro traumatismos cranianos observados em determinados atletas, como os boxeadores.

Esses pontos, além de prevenirem o Alzheimer, são altamente eficazes em evitar as demais formas de demência, ligadas principalmente a eventos vasculares. Um estudo publicado neste ano no periódico Neurology, com informações de mais de 10 mil pessoas, coletadas durante três décadas, mostrou que um conjunto de 7 hábitos simples diminuem o risco de demência em até 43%, mesmo para aqueles com predisposição genética.

São eles: permanecer ativo; adotar uma alimentação saudável; evitar o sobrepeso; não fumar; manter a pressão arterial adequada; controlar o colesterol e a taxa de açúcar no sangue.

Há ainda os fatores cognitivos. Níveis altos de escolaridade; ter uma atividade profissional estimulante; uma vida social ativa e praticar treinamentos cognitivos, como jogos de desafios, são considerados pelos especialistas atividades eficazes para retardar o aparecimento dos primeiros sintomas do Alzheimer, e a sua gravidade.

Nesses casos, o cérebro se beneficia de uma "reserva cognitiva" que lhe permite compensar, pelo menos por um tempo, a função dos neurônios perdidos. Esse efeito estaria relacionado com a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade de adaptação do cérebro.

— Um grande campo de interesse, na falta de um tratamento efetivo, são os riscos e a prevenção. Existem fatores não modificáveis, como idade, que é o principal para o Alzheimer, e genética. Mas existe essa série de outros fatores que são modificáveis pois possibilitam uma maior reserva cerebral quando você intervém neles. Uma pessoa de alta escolaridade, que está sempre aprendendo, ela tem um aumento nas conexões cerebrais, o que faz com que, no caso de uma doença degenerativa, ela seja adiada em 10 anos, por exemplo — afirma Studart Neto.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2022/09/alzheimer-das-causas-a-prevencao-tudo-o-que-a-ciencia-sabe-sobre-a-doenca-que-permanece-sem-cura.ghtml

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