EXERCÍCIO NA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DO CÂNCER: NOVOS ESTUDOS MOSTRAM QUE O IMPACTO É SURPREENDENTE

 Câncer e atividade física: Thais Ticom, de 44 anos, não abandonou os jogos de tênis durante a quimioterapia.


Exercício na prevenção e tratamento do câncer: novos estudos mostram que o impacto é surpreendente

Recomendações quebram paradigma de que paciente oncológico não deveria praticar atividade física, com evidências na redução da mortalidade e no risco de metástase

Por Bernardo Yoneshigue

09/12/2022 04h30  Atualizado há um ano

Entre vacinas terapêuticas, técnicas genéticas e novos medicamentos, a medicina avança no desenvolvimento de formas inéditas para combater o câncer. Porém, ao mesmo tempo, uma prática simples, muitas vezes gratuita e antiga tem despertado cada vez mais interesse dos pesquisadores, que comprovam benefícios diretos na prevenção e até mesmo no tratamento de pacientes oncológicos: as atividades físicas.


— Nós temos bem claro hoje estudos que mostram que quem pratica atividade física tem risco menor de câncer de mama, de intestino, e alguns têm apontado benefício para evitar o de próstata e o de pulmão. Além disso, é muito claro que fazer atividade física pode ajudar no tratamento, com diversas evidências mostrando principalmente redução nos sintomas relacionados à quimioterapia — explica a médica oncologista do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, Daniela Rosa, coordenadora do comitê de tumores mamários da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).


A prática não dispensa o tratamento padrão, mas pode de fato ser uma boa aliada. Um trabalho recente, conduzido por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv, em Israel, publicado na revista científica Cancer Research, mostrou que os exercícios aeróbicos, por exemplo, reduzem o risco de câncer metastático – quando se espalha além do órgão de origem – em até 72%. Para os responsáveis, a prática aumenta o consumo de glicose pelos órgãos internos, reduzindo a energia disponível para o tumor crescer.

Outro estudo, publicado na revista científica Journal of the National Cancer Institute, avaliou o impacto dos exercícios antes, durante e depois do tratamento quimioterápico de 1,3 mil pacientes de maior risco com câncer de mama. Os resultados mostraram que, entre aquelas que eram ativas antes do diagnóstico, e continuaram até depois do tratamento, a mortalidade chegou a ser aproximadamente 50% inferior, assim como o risco de recorrência do tumor.

Já para prevenção, uma revisão de 73 estudos, conduzida por pesquisadores do Centro de Serviços de Saúde do Câncer de Alberta, no Canadá, mostrou que houve uma redução de em média 25% na incidência do tumor mamário – o mais frequente em mulheres – entre aquelas mais ativas.

Esse impacto para diversos tipos de câncer tem motivado entidades médicas oncológicas brasileiras a desenvolverem guias e diretrizes que estimulem a adesão às atividades físicas. Os benefícios vão além da saúde individual, e podem até mesmo se traduzir em uma economia milionária para o Sistema Único de Saúde (SUS) daqui a menos de duas décadas, apontam pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

— Considerando os dados de 2019, se conseguirmos diminuir em apenas 10% a insuficiência da atividade física na população brasileira até 2030, conseguiremos economizar 20 milhões no SUS em 2040. Esse dado mostra que vale a pena investir em atividade física. É um círculo virtuoso, você melhora a qualidade de vida da população e reduz os gastos — explica o pesquisador Fábio Carvalho, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca.

Para chegar mais perto desse cenário, o instituto lançou neste ano o guia “Atividade física e câncer: recomendações para prevenção e controle”, junto à SBOC e à Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (Sbafs). O documento reúne evidências sobre o tema e orientações para que médicos passem a reforçar a prática a seus pacientes.

O guia, que teve Daniela e Fábio na elaboração, pontua que, embora os estudos sobre o tema sejam crescentes, “a área de atividade física e oncologia no Brasil parece não ter acompanhado o desenvolvimento de outros países”. Fábio cita, por exemplo, que ainda existe aqui um “dogma de que quem está em tratamento (de câncer) deve estar em repouso”, o que não é verdade.

— Os pacientes devem ser analisados de caso a caso. Por exemplo, em caso de cirurgia há as recomendações do pós-operatório, então tem que ser uma orientação individualizada. Mas, a maioria dos pacientes em tratamento oncológico mais do que pode fazer atividade física, deve — complementa Daniela.

Para atingir os benefícios, as entidades orientam um mínimo de 150 minutos de atividade física moderada – aquela que é possível realizar enquanto conversa com outra pessoa –, ou 75 minutos de atividade vigorosa, mais intensa, por semana. Esse tempo pode ser extrapolado para até 300 minutos da forma mais leve, ou 150 da mais pesada, no mesmo período. Porém, mesmo um pouco de movimento na rotina, que não alcance essas marcas, já faz diferença e deve ser considerado.

— É muito importante reforçar que atividade física é qualquer movimento, e não só aquele estruturado que caracteriza o exercício. Então, desde descer com o cachorro, arrumar a casa, descer duas paradas antes do ônibus e caminhar até o trabalho, tudo isso vale e conta. Às vezes as pessoas não fazem nada porque ficam com preguiça de ir na academia, mas só de fazer atividades pequenas já ajuda — diz a oncologista da SBOC.

Movimentar-se atua em diversas frentes

Um dos tipos de câncer que tem mais benefícios comprovados no controle ao se manter o corpo ativo é o de mama. É o caso da advogada que trabalha com gestão de imagem Thais Ticom, de 44 anos, que descobriu o câncer em 2019. Na época, ela já estava há seis anos jogando tênis regularmente, e a quimioterapia para tratar o tumor não a impediu de continuar com a rotina.

— Foram seis meses de tratamento, com muitos efeitos colaterais, antes da mastectomia. Quando eu iniciei, os próprios efeitos me deixavam muito paralisada, o que foi um grande temor em relação a precisar interromper as atividades físicas. Mas eu briguei contra isso, insisti em continuar. Fazia quimioterapia nas quintas, ficava de repouso até segunda e terça voltava para a quadra. Eu continuava do jeito que dava, precisando de mais intervalos, focando um pouco mais de atenção na parte de fortalecimento muscular, com as adaptações necessárias — conta Thais, que hoje está curada e faz apenas o acompanhamento de seis em seis meses para monitoramento.

Câncer e atividade física: Thais Ticom, de 44 anos, não deixou os jogos de tênis durante a quimioterapia. — Foto: Breno Carvalho / Agência O Globo
Câncer e atividade física: Thais Ticom, de 44 anos, não deixou os jogos de tênis durante a quimioterapia. — Foto: Breno Carvalho / Agência O Globo

O caso dela foi um carcinoma ductal hormônio dependente, desencadeado após uma gravidez devido ao aumento da produção de estrogênio no período. Fabio, do Inca, explica que um dos pontos positivos da atividade física no câncer de mama é justamente porque ela reduz os níveis desse hormônio.

— Esse conhecimento é relativamente recente, de uma década para cá, mas isso está crescendo. Sabemos que a atividade física reduz a inflamação do corpo, melhora o sistema imunológico, reduz o estrogênio, que está ligado a alguns tumores, diminui o tempo que os alimentos passam pelo trato gastrointestinal, ou seja, substâncias carcinogênicas ficam menos tempo no organismo. Além disso, sobrepeso e obesidade são fatores de risco conhecidos para mais de 10 tipos de câncer, e a atividade física evita o quadro — explica o pesquisador.

Para Thais, ter o hábito na rotina foi de fato essencial na luta contra o tumor. Ela destaca que, além dos benefícios diretos para o corpo, ele foi importante para a sua saúde mental. O impacto foi tão importante que agora ela busca levar a experiência positiva para outros pacientes que estejam passando por situações semelhantes àquela que viveu.

— Quando eu conseguia trabalhar minha mente na insistência de manter minha vida normal isso acabava trazendo um impacto positivo para o meu corpo no geral. Eu fazia sempre um comparativo do tratamento com um jogo muito difícil, que eu sabia que ia precisar me manter firme, focada, positiva. Porque independente de ganhar ou não o jogo, o que ia me manter ligada e persistente no jogo, assim como no tratamento, era a minha cabeça estar boa — conta.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2022/12/exercicio-na-prevencao-e-tratamento-do-cancer-novos-estudos-mostram-que-o-impacto-e-surpreendente.ghtml

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