A SOMBRA DO ALZHEIMER

A sombra do Alzheimer

Até que ponto lapsos de memória se tornam normais com o envelhecimento? Testes neuropsicológicos e imageamento cerebral revelam o tênue limite entre distúrbios cognitivos leves e demência grave.


Entre 60 e 65 anos, uma em cada 20 pessoas é diagnosticada com o distúrbio; acima dos 85, essa relação é de um para quatro
Seu Vitório está ficando esquecido. Aos 65 anos, vive procurando seus objetos pessoais, sem conseguir lembrar onde os colocou. Às vezes vai até a cozinha e se pergunta, confuso, o que pretendia fazer lá. A família está preocupada e quer que ele procure um médico. Será que é mesmo tão grave andar um pouco desligado? Guardar a carteira no lugar errado, esquecer um aniversário - isso pode acontecer com qualquer um, vez ou outra. Afinal, não é comum que pequenos "brancos" se tornem mais freqüentes com a idade? Seu Vitório nunca viu motivo para preocupação até o dia em que esqueceu de buscar o neto na escola. A partir daí também ficou cismado: até que ponto esse tipo de esquecimento é normal? Seriam os primeiros sinais da doença de Alzheimer? Seria necessário fazer exames?

A preocupação de seu Vitório tem fundamento. A doença de Alzheimer é extremamente rara em pessoas com menos de 60 anos, nas quais problemas de memória quase sempre são conseqüências do stress ou da depressão. A partir da sexta década de vida, porém, o risco de desenvolver a doença aumenta significativamente. Para ter uma idéia, entre 60 e 65 anos, uma em cada 20 pessoas é diagnosticada com o distúrbio; acima dos 85, essa relação é de um para quatro.

A demência de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que acomete neurônios de diversas regiões cerebrais. Por isso os indivíduos afetados não sofrem apenas de problemas de memória, mas também de outros distúrbios cognitivos que incluem a fala, a capacidade de concentração, de orientação espacial, de raciocínio e cálculo. Não há cura e as terapias disponíveis apenas retardam o desenvolvimento da doença por alguns poucos anos. A administração de drogas para aumentar os níveis do neurotransmissor acetilcolina no cérebro, por exemplo, auxilia a comunicação neuronal e tende a desacelerar sua degeneração. Esse tratamento é até três vezes mais eficaz no estágio inicial da doença do que mais tarde, quando os sintomas se desenvolveram por completo e a transmissão entre os neurônios já foi comprometida.

Diagnóstico precoce, portanto, é fundamental. Na verdade, a comprovação inequívoca de que alguém sofre de Alzheimer só é possível por meio da análise do tecido cerebral e só pode ser realizada, obviamente, depois da morte do paciente. Para diferenciar a doença de Alzheimer de outros tipos de demência e distúrbios neurológicos na prática clínica, a medicina dispõe de testes neuropsicológicos e procedimentos de imageamento que permitem inferir o estado de deterioração cerebral.
Exames exploram capacidade de memorização, flexibilidade mental e concentração
Quando seu Vitório chegou ao Instituto Nacional de Saúde e Pesquisas Médica de Caen, França, a primeira coisa que fizemos foi aplicar nele uma bateria completa de exames neuropsicológicos.

Antes de mais nada, um neuropsicólogo testou a capacidade de memorização de seu Vitório. Ele teve de memorizar algumas palavras e, mais tarde, repetir as de que se lembrava, espontaneamente ou por associação. A tarefa seguinte foi ligar números e letras escritos de forma desordenada numa folha de papel: um traço devia ligar o algarismo "1" à primeira letra do alfabeto, "A", depois o traço seguia até o algarismo "2" e de lá para a letra "B"; e assim por diante. Alternar letras e números exige certa flexibilidade mental, muitas vezes reduzida nos pacientes com Alzheimer, mas não nas pessoas que apresentam os sintomas comuns de envelhecimento.

Na terceira etapa, a capacidade de concentração de seu Vitório foi colocada à prova: ele teve de mostrar se era capaz de manter a atenção em determinado aspecto de uma situação, ignorando todo o resto. No cotidiano, isso ocorre, por exemplo, quando temos de prestar atenção em nosso interlocutor apesar das conversas paralelas. O neuropsicólogo mostra ao paciente uma folha na qual estão escritos os nomes de dezenas de cores. Porém, as cores em que as palavras estão escritas são diferentes das que designam. A palavra "vermelho", por exemplo, está escrita em azul. A pessoa submetida a esse teste tem de dizer, o mais rápido possível, as cores em que as palavras estão escritas. Não é uma tarefa fácil, pois é preciso reprimir a tendência natural de ler, esquecer os significados, e concentrar-se totalmente nas cores.

Depois o neuropsicólogo testou a percepção espacial de nosso paciente pedindo que ele reproduzisse um desenho. Por fim, seu Vitório teve de imitar gestos, escrever palavras ditadas e resolver problemas simples que exigiam adição e multiplicação para mostrar como andavam seu raciocínio e sua capacidade de calcular.
Vítimas do Alzheimer:A atriz Glória Menezes interpretando a baronesa Laura, também afetada pela doença, na novela Senhora do destino, de 2005 a atriz Rita Hayworth (1918-1987) e o ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan (1911-2004)
ZONA CINZENTA
Seu Vitório obteve bons resultados na maioria dos testes, apenas sua memória apresentou pequeno déficit. Ele não conseguiu repetir todas as palavras que deveria ter memorizado e esqueceu alguns detalhes ao reproduzir um desenho. Segundo os neuropsicólogos, tais dificuldades se enquadram entre os chamados distúrbios cognitivos leves, que incluem problemas de memória um pouco mais sérios que os considerados comuns à idade mas não afetam outras funções cognitivas. Trata-se de uma zona cinzenta, como dizem os médicos, entre as queixas normais da idade e a doença de Alzheimer.

Em outras palavras, isso significa que seu Vitório precisa passar por mais exames, ainda que seu estado não seja preocupante. A idéia é esclarecer se essas dificuldades cognitivas leves são ou não sinais precoces da demência de Alzheimer. Assim nosso paciente foi parar dentro do "tubo", isto é, do equipamento de ressonância magnética nuclear que mostra o estado da estrutura cerebral, podendo detectar também alguma lesão anterior, derrames ou tumores ainda não diagnosticados.

O objetivo principal da ressonância magnética nesse caso é afastar a possibilidade de outras doenças ou lesões cerebrais serem a causa do distúrbio de memória. Entretanto, há outros sinais de Alzheimer que podem ser identificados pela ressonância, já que a degeneração neuronal progressiva deixa marcas bem características: a chamada degeneração neurofibrilar. Ela aparece primeiro em certas regiões, principalmente no hipocampo estrutura essencial para a memória , assim como na área que o circunda: o giro paraipocampal. Depois, as lesões se espalham por todo o cérebro e levam à atrofia dos tecidos nervosos. Essas regiões atrofiadas são facilmente visualizadas com a ressonância magnética. Em alguns pacientes, a atrofia do hipocampo já aparece em estágio bem inicial, antes mesmo de a capacidade cognitiva começar a se deteriorar.

No caso de seu Vitório, as imagens não mostraram nenhuma anomalia típica de Alzheimer ou lesões que indicassem outras doenças. Observou-se, no entanto, uma degeneração difusa, comumente associada à idade avançada. O médico o aconselhou a repetir os exames a cada seis meses para ter certeza de que seu estado permanece estável. Além disso, incentivou o paciente a participar de um estudo no qual investigamos distúrbios de memória e alterações associadas a eles a longo prazo, tanto do ponto de vista neuropsicológico como do imageamento cerebral. Com isso pretendemos aumentar o conhecimento sobre a degeneração neuronal progressiva e buscar novos critérios diagnósticos.
Seu Vitório consentiu em submeter-se a alguns testes para, dessa vez, examinar seu desempenho em relação ao armazenamento e recuperação de informações. Aproveitamos também para examinar mais a fundo as pequenas alterações de seu cérebro. Para tanto, fizemos uso de um método estatístico aplicado às imagens de ressonância magnética que permite determinar com precisão o volume de regiões cerebrais específicas com isso podemos avaliar se e em que medida determinadas estruturas estão fora dos padrões aceitáveis para a idade dele.

Por meio da volumetria por ressonância magnética é possível ver sutilezas que não aparecem na simples observação das imagens. Assim descobrimos que os neurônios da região hipocampal desaparecem progressivamente também em pessoas que sofrem de distúrbios cognitivos leves. Além disso, o cérebro desses pacientes apresenta outras anomalias, por exemplo em partes do lobo temporal e do córtex cingular - áreas também afetadas em pessoas com demência. Portanto, a fronteira entre distúrbios moderados e a doença de Alzheimer parece ser bastante tênue. Ao que tudo indica, porém, nem todas as pessoas com distúrbios cognitivos leves evoluem obrigatoriamente para um quadro de demência.

Nosso estudo pretendia investigar mais a fundo as diferenças entre o cérebro de pessoas como seu Vitório e de quem sofre de Alzheimer, por isso a terceira etapa da pesquisa incluiu outro método de diagnóstico por imagem: a tomografia por emissão de pósitrons (PET), que torna visível a atividade metabólica dos tecidos.

Injetamos em seu Vitório uma pequena dose de glicose marcada por um isótopo radioativo. Como o cérebro usa o açúcar como fonte de energia, a substância se acumula preferencialmente nas áreas de atividade metabólica mais intensa. Como a glicose está marcada pelo isótopo, há uma clara distinção de áreas muito ou pouco ativas nas imagens da PET, que complementa os resultados da ressonância magnética. Hoje sabemos que o cérebro pode apresentar problemas de função mesmo na ausência de lesões na sua estrutura. Inversamente, é possível que uma região pouco degenerada cumpra suas tarefas perfeitamente porque os demais neurônios compensam o prejuízo -fenômeno conhecido por plasticidade neural.
Com a ajuda das imagens obtidas por PET descobrimos que, mesmo em pacientes com Alzheimer, áreas visivelmente atrofiadas nem sempre são responsáveis pelo déficit cognitivo. Em alguns casos, o hipocampo afetado apresenta atividade normal, ao passo que o metabolismo de outras regiões está extremamente reduzido, como no córtex cingular posterior e na região intermediária entre os lobos parietal e temporal. O mais importante, porém, é que podemos visualizar essa perda de atividade antes mesmo que sintomas agudos de Alzheimer venham à tona. Por outro lado, pacientes com distúrbios cognitivos leves, como seu Vitório, não apresentaram redução metabólica no lobo temporoparietal. Não há dúvida, portanto, que a PET é uma ferramenta importante no diagnóstico precoce da doença de Alzheimer, mais do que exames neuro-psicológicos. O problema é que se trata de um procedimento extremamente caro, muito mais usado em pesquisas do que na rotina médica. Esperamos que seus custos diminuam no futuro, como ocorre com a maioria das tecnologias, já que o ganho para os pacientes é muito grande, pois quanto antes a doença for diagnosticada, mais poderemos prolongar o período de vida saudável dos pacientes.

Seu Vitório e sua família estão mais tranqüilos. Os exames dele não apontaram nada além dos distúrbios cognitivos leves. É muito improvável, portanto, que ele perca suas lembranças de uma hora para outra. Deverá levar uma vida independente, pelo menos do ponto de vista mental, por muitos anos ainda.

Tradução de Renata Dias Mundt
INDICADORES CEREBRAIS: a doença de Alzheimer deixa claras marcas no cérebro. O hipocampo estrutura essencial para a memória - encolhe drasticamente nos indivíduos afetados (abaixo) em comparação a pessoas saudáveis (acima)

Limites do esquecimento

É comum os idosos terem dificuldades de se lembrar de determinados eventos. Se esses esquecimentos se mantêm estáveis ou pioram lentamente, os médicos os consideram sintomas normais do envelhecimento. Nesses casos, métodos de imageamento revelam pequena redução do volume cerebral e certa limitação das atividades do lobo frontal.
Os distúrbios cognitivos leves se distinguem pela recorrência dos lapsos de memória. Além disso, os pacientes têm problemas para memorizar acontecimentos atuais. O cérebro deles sofre atrofia em certas regiões, especialmente no hipocampo e no lobo temporal. A atividade do córtex cingular posterior e da região intermediária entre os lobos temporal e parietal (lobo temporoparietal) também se reduz. A evolução desse tipo de distúrbio é variável e deve ser supervisionada por um médico em intervalos regulares de tempo.

Quando os problemas de memória e alterações anatômicas do cérebro aumentam rapidamente, é quase certo que o diagnóstico seja a doença de Alzheimer. Além de não se lembrarem dos acontecimentos passados, os pacientes têm dificuldades de memorizar novas informações. Os primeiros indícios geralmente revelam mais de uma função cognitiva afetada, como fala e concentração. Nos estágios mais avançados, todas elas costumam ficar comprometidas. Os exames de imagens mostram nítida diminuição do tamanho do hipocampo desses pacientes, bem como do córtex cingular posterior e do lobo temporoparietal. Na fase final da doença as lesões comprometem também todo o córtex frontal.

A notícia do Alzheimer

A notícia do Alzheimer abala qualquer família, e poucas estão preparadas para a responsabilidade e a sobrecarga que é cuidar de um portador da doença. A Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) oferece apoio e orientação sobre tratamento e aspectos cotidianos do acompanhamento do paciente. Formada por parentes de portadores e profissionais de saúde, a Abraz está presente em 16 estados. Tel.: 0800-55-1906. Site: www.abraz.org.br

Promessas diagnósticas

Além dos testes neuropsicológicos, da ressonância magnética e da tomografia por emissão de pósitrons, os cientistas contam com uma nova ferramenta para identificar as alterações anatômicas típicas da doença de Alzheimer: o imageamento por tensor de difusão (DTI, na sigla em inglês).
Trata-se de um tipo de ressonância magnética que permite a caracterização da estrutura de tecidos fibrosos (como as fibras nervosas) por meio de medidas locais da difusão de moléculas de água.
Nos tecidos saudáveis, elas correm ao longo dos axônios; na doença de Alzheimer a membrana axonal é danificada, atrapalhando a movimentação dessas moléculas. A DTI mede essa diferença e revela lesões muito precoces.
Outra inovação na área de diagnóstico por imagem foi anunciada em 2005 por pesquisadores japoneses do Instituto Riken de Pesquisas Cerebrais, em Saitama. Eles conseguiram tornar visíveis as placas de proteína amilóide no cérebro de ratos com Alzheimer, no qual foi injetada uma molécula capaz de ultrapassar a barreira hematoencefálica e se fixar nos depósitos de proteína. A substância injetada foi marcada com flúor-19, que aparece em destaque nas imagens de ressonância magnética e, logo, revela a localização precisa das placas amilóides. O procedimento ainda está em fase de testes em animais.

Alterações na bioquímica cerebral também podem ser usadas para fins diagnósticos. Harald Hampel, da Universidade Ludwig-Maximillian, em Munique, aposta na proteína tau modificada. Nos pacientes com Alzheimer ela apresenta fosfato em excesso, o que compromete sua função de suporte e faz com que os neurônios percam estabilidade. Como a proteína tau é encontrada também no liquor, pode ser facilmente coletada e converter-se, no futuro, em um marcador biológico da doença de Alzheimer.

Um estudo clínico do qual participaram 77 voluntários com distúrbios leves de memória mostrou que a maior concentração da proteína tau no liquor se correlacionou à severidade dos prejuízos cognitivos. 


Por Gaël Chételat e Catherine Lalevée
http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/a_sombra_do_alzheimer.html



Alois Alzheimer - O investigador do cérebro

Há um século o médico alemão identificou a doença que permaneceu ignorada por décadas e foi alvo de controvérsias, até ser redescoberta nos anos 90

August D., que sempre fora uma mulher saudável, educada e um pouco tímida, foi internada no Hospital Municipal de Lunáticos e Epiléticos de Frankfurt no dia 25 de novembro de 1901, aos 51 anos. Entrevistado pelo médico que a atendeu, seu marido contou que os problemas haviam começado seis meses antes com uma súbita e escandalosa crise de ciúme seguida de perda progressiva da memória. Aos poucos August foi se tornando ansiosa e hostil. Por se tratar de um caso incomum, o jovem médico avisou o diretor do hospital. Alois Alzheimer visitou a paciente no dia seguinte.

Na época a Alemanha era um lugar privilegiado para quem quisesse se dedicar ao estudo das doenças mentais. Não por acaso, a trajetória de Alzheimer foi marcada pela convivência com alguns notáveis, entre eles o patologista e anatomista que cunhou o termo neurônio Heinrich Wilhelm Gottfried Waldeyer-Hartz (1836-1921), seu professor na Universidade de Berlim. Em Würzburg, onde terminou a faculdade de medicina em 1888, Alzheimer defendeu a tese intitulada “Sobre as glândulas ceruminosas do ouvido” sob orientação de Rudolf Albert von Kolliker (1817-1905), lembrado hoje por suas grandes contribuições para a histologia, a ciência que estuda tecidos e células. A paixão por lâminas e microscópios acompanharia Alzheimer por toda a vida.

Assim que se formou, foi trabalhar em Frankfurt como médico assistente no Hospital de Lunáticos e Epiléticos, então dirigido por Emil Sioli (1852-1922), entusiasta das idéias de Philippe Pinel (1745-1826) e de Jean-Marie Charcot (1825-1893). Ali encontrou o já famoso neuropatologista Franz Nissl (1860-1919), criador de uma técnica, usada até hoje, de análise histológica de neurônios: o método de Nissl. Não tardou para que Sioli, Alzheimer e Nissl transformassem a instituição em um sanatório de prestígio e substituíssem drogas e medidas coercitivas por ações humanizadas, como banhos terapêuticos e psicoterapia. Além disso, o trio deu início a pesquisas científicas de alto nível baseadas na análise do cérebro de pacientes que morriam no sanatório. Com elas, passaram a relacionar sintomas a alterações anatomopatológicas.
Cuidadoso e detalhista, Alzheimer ficou conhecido pela rara habilidade com que descrevia os achados microscópicos. Dedicava as manhãs ao atendimento aos doentes e passava as tardes no laboratório analisando lâminas de tecido cerebral obtido nas necropsias. A parceria com Nissl, mais criativo e inquieto, foi completada pela disciplina e alto poder dedutivo de Alzheimer. Juntos realizaram um extenso mapeamento das doenças do sistema nervoso conhecidas na época, trabalho que deu origem ao tratado de seis volumes intitulado Estudos histológicos e histopatológicos do córtex cerebral, publicados entre 1906 e 1918. Além de contribuir decisivamente para a neurobiologia do envelhecimento, Alzheimer se dedicou ao estudo da epilepsia, do alcoolismo e da arteriosclerose cerebral e à psiquiatria forense.

KRAEPELIN E FREUD

Alzheimer acompanhou de perto o caso de August D. até 1903, quando se mudou para Heidelberg a convite de Emil Kraepelin (1856-1926), considerado o fundador da psiquiatria moderna. Poucos meses depois, ambos se transferiram para a Clínica Psiquiátrica Real, em Munique, hoje Instituto Max-Planck de Psiquiatria. Com a morte da paciente em abril de 1906, Sioli enviou cérebro e prontuário para que Alzheimer os examinasse. O caso foi apresentado no 37º Encontro de Psiquiatras do Sudoeste da Alemanha em novembro do mesmo ano, em Tübingen. A platéia recebeu os achados com frieza e cautela.

As lâminas do cérebro de August D. foram reanalisadas por alguns pesquisadores nos anos seguintes, que confirmaram o acúmulo de uma substância incomum no córtex cerebral − hoje conhecida como proteína betaamilóide. O caso de um segundo paciente, Johann F., aparentemente portador da mesma anomalia, foi descrito por Alzheimer em 1910. Convencido de que realmente estavam diante de uma nova patologia, no mesmo ano Kraepelin introduziu o termo doença de Alzheimer na oitava edição do seu Tratado de psiquiatria. Houve, entretanto, quem o criticasse pela pressa com que criara o novo epônimo − o que era de certa forma plausível. O homem que identificou a esquizofrenia e a psicose maníaco-depressiva foi também um político hábil e ferrenho opositor às idéias de Sigmund Freud (1856-1939), que floresciam não muito longe dali, em Viena. É provável que além das motivações científicas, Kraepelin desejasse com isso promover seu laboratório e, para se contrapor à teoria psicanalítica, reafirmar a importância dos mecanismos biológicos subjacentes a alguns quadros psiquiátricos.
Em 1912, Alzheimer aceitou o convite do rei da Prússia Guilherme II para dirigir a Clínica de Psiquiatria e Neurologia da Universidade Silesiana Friedrich-Wilhelm, em Wroclaw (hoje Breslau, Polônia). Na viagem de trem contraiu uma grave amidalite, que evoluiu para artrite reumatóide e problemas cardíacos e renais. Nunca mais recuperou a saúde e passou os anos seguintes na cama, até morrer em 1915, aos 51 anos.

As duas guerras mundiais, das quais a Alemanha saiu derrotada, contribuíram para que a descoberta de Alzheimer passasse despercebida até a década de 60, quando a maior expectativa de vida da população aumentou o número de casos da doença. Houve controvérsia entre médicos e pesquisadores, pois para muitos deles Alzheimer cometera equívocos, e as lesões descritas no início do século XX na verdade corresponderiam a outras doenças já conhecidas, como a demência vascular.

A polêmica foi realmente resolvida só na década de 90 graças ao notável trabalho investigativo do neuropatologista Manuel Graeber, do Instituto Max-Planck de Neurobiologia. Entre 1992 e 1997 ele encontrou as preparações histológicas do cérebro de August D. e de Johann F., até então esquecidas nos porões da Universidade de Munique. Ao todo são mais de 400 lâminas em ótimo estado de conservação, além de outros documentos que descrevem a história clínica desses pacientes. O material está sendo organizado para a publicação de um livro até o fim deste ano, e estará disponível na internet. Em novembro, Tübingen será a sede de um congresso que celebrará os 100 anos da apresentação do caso de August D. por Alzheimer na mesma cidade. A doença é hoje a forma mais comum de demência e um dos distúrbios mentais que mais concentram esforços de pesquisa, além da preocupação de profissionais da saúde, das famílias e da mídia.
1864 – Nasce em Merkbreit, no dia 14 de junho.

1883 – Ingressa na Universidade de Berlim.

1888 – Forma-se médico em Würzburg e começa a trabalhar no Hospital Municipal de Frankfurt.

1901 – August D. é internada no hospital de Frankfurt.

1903 – Muda-se para Munique para trabalhar na Clínica Psiquiátrica Real na companhia de Emil Kraepelin.

1906 – August D. morre em Frankfurt. Alzheimer apresenta o caso em congresso em Tübingen.

1910 – Kraepelin cunha o termo doença de Alzheimer.

1912 – Muda-se para Breslau, antiga Prússia, onde assume a direção da Clínica de Psiquiatria e Neurologia.

1915 – Morre em Breslau, aos 51 anos, vítima de endocardite e insuficiência renal. 

Fonte:http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/alois_alzheimer_-_o_investigador_do_cerebro.html

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