A MELHOR IDADE - REFLETINDO SOBRE O ENVELHECIMENTO

A melhor idade?

O envelhecimento da população brasileira provocará mudanças profundas na nossa vida

Sua velhice vai demorar

Quem viver verá um Brasil diferente em questão de pouquíssimo tempo - quando se pensa em perspectiva histórica. Em apenas duas décadas, o país vai encarar um percurso de envelhecimento que nações demograficamente maduras demoraram mais de um século para atravessar. As projeções apontam que, após 2030, o contingente acima dos 60 será maior do que o de crianças e adolescentes de até 14 anos. Em 2050, os idosos representarão o dobro dessa população jovem. As diminuições da mortalidade infantil e adulta, combinadas à queda da natalidade, moldam um novo perfil brasileiro. Uma terra em que, a partir de 2040, os únicos grupos populacionais que vão crescer serão os de pessoas com 55 anos ou mais.
Para você que vai viver esse futuro, uma coisa mais prática deve ficar clara: a entrada de novos integrantes no que chamamos de terceira idade vai sofrer um atraso. A nova configuração populacional da nação exigirá ajustes sociais complexos, com a fatia mais velha mantendo um perfil ativo, com vida adulta estendida. Isso porque, sem a experiência ainda de mangas arregaçadas, a economia nacional não vai andar – nem o resto da estrutura do país.
Durante uma sessão especial no Senado no ano passado, em debate sobre a questão dos mais velhos, especialistas sugeriram que o conceito de entrada na terceira idade passasse de 60 para 65 anos - e adiante para 70 -, para efeitos de alívio de políticas públicas já neste momento, mas com olhos para um Brasil socialmente sustentável no futuro. No entanto, a classe política mostrou-se irredutível e não deu qualquer margem para a discussão, que envolveria corte de benefícios e adaptações, como na gratuidade do transporte público, por exemplo. Mesmo assim, nos próximos anos, parece inevitável que em algum instante o senso do que representa ser idoso passe por revisões.

Conhecidas conquistas de medicina e tecnologia facilitam a ascensão dos índices de expectativa de vida no Brasil, que devem romper a casa dos 80 anos em 2040. Assim, parece não fazer sentido abreviar uma rotina ativa para meados de 50 ou mesmo 60 anos, se a saúde do indivíduo estiver em dia. Ainda mais numa projeção que prevê uma carência de mão de obra na faixa produtiva da sociedade. Com menos brasileiros nascendo desde o começo do século, o número de jovens que chega ao mercado de trabalho irá despencar, e o país precisa pensar em como reter os experientes em atividade. Segundo especialistas, esse cenário de falta de gente para trabalhar deve oferecer as primeiras complicações já na década de 2020.
“Com cada vez menos jovens, ou gente em idade economicamente ativa, o país em envelhecimento acelerado vai ver esse problema no mercado de trabalho já a partir da próxima década”, diz Marcelo Abi-Ramia Caetano, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e membro do conselho editorial do “Journal of Social Policy”, da Universidade de Cambridge. “É preciso criar condições para que a população mais velha fique mais tempo no mercado de trabalho. Isso com capacitação continuada, para preparar essa parcela da população para as constantes mudanças tecnológicas. Mas ainda há muito preconceito em relação à força de trabalho de gente mais velha”, afirma Ana Amélia Camarano, coordenadora do grupo técnico de População e Cidadania do Ipea.
Hoje a participação do idoso no mercado de trabalho já não é nada desprezível. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados no ano passado, 27% da população idosa brasileira (acima dos 60) trabalhava em 2012. No mesmo levantamento, o tempo médio semanal dedicado ao trabalho foi de 34,7 horas. A maioria (64,2%) representava a pessoa de referência no domicílio e 47,8% tinham rendimentos superiores a um salário mínimo.

Tirar o idoso de casa é uma das medidas tomadas por São Caetano do Sul, cidade paulista de 150 mil habitantes, considerada modelo no país em termos de políticas para a terceira idade. Nada menos do que 800 velhinhos trabalham como uma espécie de estagiários na prefeitura local, com carga horária reduzida e opção de escolher o que fazer. De resto, o município diz atender 19,2 mil habitantes dessa faixa etária semanalmente em programas que incluem assistência médica, esportes, educação e recreação. “O retorno é não ter essas pessoas em hospitais, em consultórios psiquiátricos, com falta de atividades motoras, mas sim em situações que as mantenham integradas à sociedade”, afirma Patrícia Viteri Barros, secretária de Assistência e Inclusão Social.
Mas uma sociedade com mais gente velha e número de jovens em declínio não oferece apenas problemas. Além dos dilemas aparecem oportunidades de melhorar a qualidade de vida geral em determinadas áreas do país – e a parcela mais nova da pirâmide etária pode colher frutos interessantes. Por exemplo, a expectativa é de que os índices de criminalidade despenquem a partir de 2030. Considerando apenas tendências demográficas, a taxa anual de homicídios deverá ser inferior a dez por 100 mil habitantes até meados deste século, quase um terço da marca registrada na primeira década do período.
O sistema de educação também poderá encarar a mudança demográfica da nação como uma oportunidade para subir de patamar. Com a esperada queda de demanda por vagas em escolas e universidades, o Brasil terá condições de qualificar a formação de profissionais. Segundo projeções do Ipea, o país viverá seu ápice de população instruída, com aumento da proporção de indivíduos com nível superior, nível médio e fundamental completo. Mas a vida não tende a ser necessariamente mais fácil para os jovens do futuro. Com a projeção de carência de mão de obra, os brasileiros que desembarcarem no mercado de trabalho nas próximas décadas carregarão a pressão de produzir mais para saciar as metas da sociedade. 

Quem paga a conta?

Nessa reconfiguração social, “quem vai pagar essa conta?” é uma pergunta ainda a ser respondida. Mas a dívida passa obrigatoriamente pela revisão da Previdência Social, cujo quadro já é caótico. Enquanto as regras de aposentadoria no Brasil não são revistas, o rombo vai aumentando. Para este ano, o governo federal calcula um déficit do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) da ordem de R$ 129,9 bilhões. Estima-se que o buraco será de R$ 1 trilhão em 2040.
“As projeções para os próximos 20 a 30 anos serão tão mais pessimistas quanto mais o país se recusar a encarar a necessidade de mudar as regras de aposentadoria. Se continuarmos a permitir aposentadorias absurdamente precoces, haverá, mais e mais, falta de recursos para outras áreas. Os equívocos cometidos pelo país há muitos anos estão começando a exibir seu preço – e ele é dramático”, analisa Fabio Giambiagi, mestre em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e economista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
“O país viu um boom de contribuintes na última década, que já perdeu força na economia com a onda de desemprego desde o último ano. Mas ampliar esse quadro alivia o caixa apenas no curto prazo. Lá na frente, esse boom vai virar um boom de beneficiários. O país precisa se preparar”, endossa o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano.

Engana-se quem imagina que tornar viável o “Brasil dos velhinhos” seja apenas uma questão de adaptações na Previdência. A reforma no sistema de aposentadorias é só uma face desse processo. Com ou sem a boa vontade de seus governos, o Brasil terá de lidar com urgências como fornecer um sistema de saúde que consiga atender uma superpopulação de idosos.
Os programas de combate à pobreza também precisarão avançar mais para evitar um cenário de tragédia, em conjectura possível de milhões de velhos abaixo de uma linha mínima de condições de vida. As adversidades projetadas se somam aos problemas já conhecidos da nação, e caberá à sociedade decidir o que priorizar. 
“A sociedade, de alguma maneira, está se conscientizando no sentido de se adaptar sobre a questão do envelhecimento. Muito mais a sociedade e o mercado privado do que o próprio Estado. Na questão de políticas públicas, muito pouco, nacionalmente falando. Isso porque as medidas a serem tomadas são impopulares, tudo enfrenta resistência. O sistema de saúde não atende as necessidades básicas, imagina as necessidades especiais dos idosos. Esses recursos terão de vir de outras áreas, e alguém vai ter que ceder”, diz Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea.

Alguém para cuidar

O Japão talvez seja o caso mais clássico de uma nação que enfrentou um processo de envelhecimento populacional, com todas as consequências sociais embutidas. Até 2000, a assistência do país ao idoso era inexistente – o acompanhamento cabia aos parentes. Mas uma série de efeitos colaterais de ordem familiar levou o governo a introduzir um seguro oficial aos mais velhos, independente da aposentadoria. Com planos financiados a partir dos 40 anos (para execução pós-65), os cidadãos japoneses passaram a custear para si mesmos uma gama de serviços institucionais e comunitários.
Mesmo a economia mais sólida da Europa lida com dilemas ligados à gestão dos idosos. Nos últimos dez anos, a Alemanha enfrenta uma crise sobre os altos custos de cuidado para velhos no país, que motivou uma recente onda de famílias enviando parentes a casas de repouso de nações do Leste Europeu ou da Ásia. Por sua vez, a Suécia celebra o êxito de seu programa de cuidados à terceira idade. Considerado pela Global AgeWatch Index o melhor país do mundo para ser idoso, a nação escandinava apostou em um programa de gestão tecnológica. Cada cuidador a domicílio carrega um GPS para informar a centrais de controle e familiares sobre o estado dos pacientes. O espaço online também serve para que os enfermeiros que trocam de turnos se comuniquem sobre necessidades específicas de um determinado cliente. O modelo custa cerca de U$ 90 milhões – cerca de R$ 309 milhões - anualmente ao governo, custeado parcialmente por impostos especiais.
“[O Estado deve] fornecer mecanismos para planejamento avançado de cuidados e tomada de decisões apoiadas que permitam aos idosos mais frágeis manter o nível de controle sobre suas vidas, apesar da perda significativa de capacidade funcional”, opina Tiago Nascimento Ordonez, presidente da Associação Brasileira de Gerontologia (ciência que estuda de maneira interdisciplinar o processo de envelhecimento em suas dimensões biológica, psicológica e social).

Durante muito tempo, especialmente no último século, a babá era uma adição até convencional no típico quadro familiar brasileiro. Ela estava lá nas fotos com os parentes, uma autêntica integrante da casa, pensando em classes média e alta. Mas os casais do país começaram a ter menos filhos, pós anos 2000, e a necessidade de acompanhantes para os bebês tende a esfriar. Em paralelo, espera-se que a atuação de cuidadores de idosos ganhe força, crescendo junto com o aumento da terceira idade nacional. A favor dessa nova atividade também incide o fortalecimento da mulher no mercado de trabalho – ou seja, elas se veem obrigadas a transferir a tarefa de fazer companhia aos familiares mais velhos.
Uma tradição familiar brasileira em desconstrução abre frente de amadurecimento para a atuação de cuidador. Alguns projetos que transcorrem no Congresso já reivindicam o caráter de profissão para essa ocupação, com todos os benefícios previstos em categorias semelhantes. Ainda não existem números sobre a atividade, mas organizações de classe apostam em um mercado em aquecimento para o futuro. As projeções populacionais fazem dela uma carreira em evidência.     
“É uma carreira promissora, que vai depender dos cuidadores interessados, qualificados e classificados. Ainda não é uma profissão, somos registrados no CBO (Código Brasileiro de Ocupação) pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Ainda há mistura de funções porque somos empregados domésticos, as famílias e cuidadores misturam os afazeres”, diz Lidia Nadir Giorge, presidente da Associação dos Cuidadores de Idosos da Região Metropolitana de São Paulo.

Começa aos 80

Será que 80 é o “novo 70”? Ou 70 o “novo 60”? Talvez nem precisasse de uma chancela tão formal assim, mas a Organização Mundial de Saúde recentemente atestou que os velhinhos de hoje de fato possuem qualidade física e mental melhores em relação aos seus pais e avós. Aqui no Brasil esse é um estímulo a respeito de um fim de existência digno e satisfatório, já que todas as variáveis sociais convergem para a curva ascendente da expectativa de vida.
Está chegando a vez dos “superidosos”. O grupo etário daqueles com 80 anos ou mais estará entre os mais numerosos da população do país em 2060, representando 10,5% das mulheres e 8,76% do total de habitantes – hoje essa fatia é de apenas 1,5% dos brasileiros. E a tendência é de que esses velhinhos do futuro cheguem neste momento com mais qualidade de vida e com alguns tabus derrubados pelo chão.
“As pesquisas voltadas a expor um panorama da população idosa têm demonstrado que os velhos de hoje assumiram papéis jamais previsíveis em outros tempos. São diversas experiências que há meio século seriam inconcebíveis. Como imaginar na velhice o retorno à escola ou ao trabalho? O divórcio? O novo casamento? A vinda de um filho quando já se passou da idade para ser avô? Enfim, situações inovadoras que levam a questionar em que medida e de que forma essa população é, de fato, dependente”, reflete Adriana de Oliveira Alcântara, doutora em Antropologia Social pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e especialista na temática idosa.

Nessa visão otimista, talvez existam coisas até mais palpáveis do que os números em si, como as histórias de gente ativa e bem-sucedida além dos 80. São casos que ajudam a desmistificar essa barreira como o fim de linha. “Oitentões” da atualidade como os empresários Jorge Paulo Lehmann e Silvio Santos, ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, são exemplos que, a julgar pelo aumento quantitativo desse universo etário, têm tudo para serem mais recorrentes.
“Embora haja uma forte evidência de que os idosos estão vivendo mais tempo, a qualidade desses anos extras não é clara. Os resultados de pesquisas são muito inconsistentes. Além disso, as tendências dentro de diferentes subgrupos de uma população podem ser muito distintas. Dessa forma, embora 70 não aparente ser o ‘novo 60’, não há nenhum motivo por que isso não possa acontecer. Porém, torná-lo uma realidade exigirá muito mais ações de saúde pública concentradas no envelhecimento”, opina Tiago Nascimento Ordonez, da Associação Brasileira de Gerontologia.
O Brasil ainda tem um tempinho, mas precisa agir logo na preparação a este momento inédito de sua história. Cabe a Estado, iniciativa privada e sociedade irem além de conceitos folclóricos e antigas verdades para planejar como inserir a terceira idade de forma efetiva na engrenagem da nação. Uma frase atribuída ao pensador alemão Johann Wolfgang von Goethe diz que “o que a mocidade deseja, a velhice o tem em abundância”. É hora de confiar em reflexões como esta para ir de encontro à fase envelhecida do país. Todo poder à terceira idade.

Colaboraram nesta edição:
7IrisFilmes, filmagem; Adriana Almeida Prado, arquiteta e urbanista; Adriana de Oliveira Alcântara, antropóloga; Ana Amélia Camarano, do Ipea; Elizabeth Piovezan, do Instituto Alzheimer Brasil; José Rodrigues Loureiro, administrador do CISE João Nicolau Braido (São Caetano do Sul); Lidia Nadir Giorge, da Associação dos Cuidadores de Idosos da Região Metropolitana de São Paulo; Lidiane Brand de Vasconcellos, médica vascular; Tiago Nascimento Ordonez, presidente da Associação Brasileira de Gerontologia.

Fonte:http://tab.uol.com.br/brasil-idoso/#a-melhor-idade






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