ALZHEIMER: OS AVANÇOS NO TRATAMENTO QUE ESTÃO MUDANDO O PERFIL DA DOENÇA (E AS NOVAS DROGAS QUE VÃO CHEGAR)
Tratamento para o Alzheimer
Alzheimer: os
avanços no tratamento que estão mudando o perfil da doença (e as novas drogas
que vão chegar)
Novas drogas avançadas em testes
deverão aumentar o arsenal contra a doença e interferir de forma significativa
no declínio cognitivo
Enquanto a população envelhece e os casos aumentam,
a ciência busca respostas e tratamentos. Para abordar esse assunto tão
importante, O GLOBO traz essa semana o especial Por Dentro da Mente, com cinco reportagens ao longo da semana.
Começamos hoje, no Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença de Alzheimer .
A primeira será sobre a perspectiva dos avanços para os próximos anos. E chegar
o mais perto possível da resposta para a pergunta fundamental: quando haverá a
cura?
Se a pergunta fosse feita há 10 anos, a resposta
seria completamente diferente. Nos últimos cinco anos, o campo teve um avanço
significativo: após um período de mais de duas décadas sem novidades, um novo
remédio foi aprovado, o primeiro a de fato retardar, ainda que de forma
modesta, a evolução da doença. O aval, em 2023, nos EUA, foi para o lecanemabe,
vendido com o nome de Leqembi pelas farmacêuticas Eisai e Biogen.
No ano seguinte, o donanemabe, comercializado como
Kisunla pela Eli Lilly, também recebeu o sinal verde. Em abril, o remédio foi
autorizado no Brasil, onde começou a ser aplicado no mês passado. Ambas as
drogas são chamadas de terapias antiamiloide – anticorpos monoclonais que se
ligam à proteína beta-amiloide e a removem do cérebro. Isso porque essa
proteína se acumula formando placas no sistema nervoso de pacientes com a
doença.
No entanto, o efeito dessa “limpeza” foi inferior
ao que se esperava, mostrando que eliminar as placas não é suficiente para
frear o declínio cognitivo. Nos estudos do donanemabe, a progressão do
Alzheimer foi até 35% menor entre os que receberam o medicamento, o que
correspondeu a um atraso de somente 4,4 meses na perda cognitiva ao longo do
tratamento de 18 meses.
— Sabemos que placas amiloides se formam ao longo
de 10, 20 anos, inflamam e acumulam tau, uma outra proteína que mata neurônios
e causa os sintomas. Então há três processos principais: placas amiloides,
neuroinflamação e acúmulo de tau. As novas drogas removem as placas amiloide,
mas não pararam o declínio cognitivo como esperávamos. Uma explicação é que
elas surgem mais tarde na doença. Outra é que, mesmo sem ela, os outros
processos continuam — explica Wyllians Borelli, coordenador de pesquisa do Centro
da Memória do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Além disso, o donanemabe tem custos elevados e
riscos significativos. Cada ampola no Brasil custa cerca de R$ 6 mil, e são
necessárias quatro a cada mês. Ao todo, o tratamento pode ultrapassar R$ 200
mil. Devido ao preço elevado, não há perspectiva de cobertura pelos planos de
saúde ou pelo SUS. E, nos estudos, houve casos de sangramentos e inchaço
cerebral associados ao remédio, inclusive de óbitos.
— Temos alguns efeitos graves, mas que provocam
sintomas em menos de 5% dos pacientes. Então há um cuidado necessário de ter
uma busca ativa por esses casos, com ressonâncias periódicas e reavaliações
médicas. A seleção do paciente também é criteriosa. Não é uma medicação para
todo mundo, é um grupo numa fase muito leve, inicial, e fazemos até um
rastreamento genético porque sabemos que alguns grupos têm mais risco — diz
Ivan Okamoto, neurologista do Núcleo de Excelência em Memória do Einstein
(Nemo), em São Paulo.
Novas terapias
No futuro próximo, porém, outros remédios devem
seguir o caminho aberto pelas drogas antiamiloide e compor um novo arsenal de
tratamentos para o Alzheimer. Segundo um levantamento anual de pesquisadores da
Universidade de Nevada, nos EUA, há 138 drogas sendo testadas em humanos em
2025.
Uma delas é uma nova versão antiamiloide que levou
a uma eliminação mais rápida das placas amiloide e com menos efeitos colaterais
nas fases iniciais dos testes. O medicamento, chamado de trontinemab, da Roche,
conta com uma tecnologia que facilita a passagem pela barreira
hematoencefálica, que cobre o cérebro, levando à necessidade de doses menores e
aumentando a distribuição no órgão.
Em relação aos efeitos colaterais, os cientistas
acreditam que o risco seja menor porque a droga entra pelos capilares, vasos
sanguíneos menores, e não por artérias grandes. Resta saber a eficácia para
reduzir a perda cognitiva, o que será avaliado na fase 3, a última das três
etapas necessárias do estudo, prevista para começar no final de outubro. A
expectativa é que o efeito seja superior ao observado até agora.
Outra classe de medicamentos aguardada com
expectativa são os direcionados à remoção da proteína tau. Alguns estão em
fases avançadas, como o BIIB080, da Biogen, e o etalanetug, da Eisai, na
segunda etapa dos testes clínicos. Ambos tiveram resultados positivos na
redução tau na fase 1.
— Temos ainda estudos do lecanemabe e do donanemabe
com aplicação subcutânea, o que facilitaria a administração, que hoje é feita
por infusão em ambiente hospitalar. A tendência é termos, assim como ocorreu
com outros remédios, formas mais amigáveis de tratar os pacientes, com menos
exames invasivos e mais facilidade de aplicação, se possível em casa— diz
Okamoto.
Marcos Costa, pesquisador do Instituto do Cérebro
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que participou de um
estudo publicado na Nature Genetics sobre genes relacionados ao Alzheimer,
acrescenta que há também novas técnicas sendo estudadas para eliminar as
proteínas:
— Temos abordagens de vacinas, por exemplo, em que
a ideia é estimular o próprio corpo a produzir os anticorpos contra as
proteínas e removê-las do cérebro. E outras utilizando técnicas genéticas. E
podemos imaginar que um paciente que não estava elegível para as drogas
antiamiloide, ou que não teve um bom resultado, poderá ter novas alternativas
com as antitau.
Por fim, um terceiro mecanismo da doença alvo de
estudos é a neuroinflamação. A boa notícia é que uma arma para esse problema
não apenas já está na fase final dos testes clínicos, como também é uma grande
conhecida: a semalgutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy.
— O objetivo é modular a resposta inflamatória na
microglia, que são as células de defesa do cérebro, de forma direta ou
indireta. Temos trabalhos mostrando que a semaglutida teria um efeito sobre
isso. Ao que tudo indica, seria algo indireto, mais por conta do controle da
glicemia, do metabolismo em geral, que levaria a uma redução inflamatória
sistêmica no corpo e no cérebro — conta Costa.
Os resultados dos testes da semaglutida para
pacientes com Alzheimer devem ser divulgados até o fim deste ano. A expectativa
é alta, principalmente por ser um fármaco mais acessível e seguro, afirma
Borelli:
— Dependendo da magnitude do efeito, vamos ter uma
mudança importante. No contexto de tratamento de Alzheimer, é uma droga
considerada barata, especialmente quando comparada às drogas antiamiloides.
Então vai ter um interesse muito grande não só das famílias, mas de governos.
Coquetel de remédios
No futuro próximo, os especialistas acreditam que
uma droga sozinha não será suficiente para tratar o Alzheimer, mas sim que um
coquetel de remédios. Agindo em diferentes mecanismos e etapas da doença, ele
poderá frear, ou pelo menos reduzir de forma considerável, a perda cognitiva.
— Ficamos 25 anos esperando novas possibilidades de
tratamento. Os anticorpos antiamiloide abriram uma porta que não tínhamos. Mas
a ideia é conseguir parar o processo da doença. Não vai ter uma pílula mágica
que consiga resolver tudo, mas vamos associando medicações, testando novas
terapias — diz Okamoto.
Essas drogas acompanham ainda uma outra mudança: a
própria identificação da doença. Antes, o diagnóstico era puramente clínico,
por meio dos sintomas. Agora, testes cada vez menos invasivos conseguem
detectar as proteínas beta-amiloide e tau nos pacientes, comprovando a doença e
permitindo a indicação, ou não, dos novos medicamentos.
— Todas essas terapias vão ter um efeito melhor
quanto mais cedo começarem. Mas esse diagnóstico ainda encontra barreiras — diz
Costa.
Já curar ou reverter casos avançados ainda é um
sonho distante, dizem os especialistas. Isso porque o avanço do Alzheimer leva
à perda de neurônios, e ainda não há como recuperá-los, explica Borelli:
— Se alguém descobrir como reverter a perda vai
ficar milionário. O cérebro de pacientes em estágios avançados já atrofiou,
teve muita morte de neurônio. E não conseguimos fazer o neurônio voltar, ou
seja, restaurar sua função. Tem muita pesquisa sendo feita nesse sentido, mas
ainda tudo muito experimental, em modelos animais.
Fonte: https://oglobo.globo.com/saude/especial/alzheimer-os-avancos-no-tratamento-que-estao-mudando-o-perfil-da-doenca-e-as-novas-drogas-que-vao-chegar.ghtml
Avanços na ciência
trazem esperança no tratamento a pacientes de Alzheimer e a seus familiares
Pedro Modena cita um
estudo internacional sobre morte celular e a liberação pela Anvisa do
medicamento Kisunla
- Post category:Atualidades / Jornal da USP no Ar / Jornal da USP no Ar 1ª edição / Rádio USP
- https://jornal.usp.br/?p=906538
01/07/2025 - Publicado há 3
meses
Estima-se que cerca de 50 milhões de
pessoas convivem com a doença de Alzheimer no mundo. Com o envelhecimento
global da população, esse número tende a aumentar, o que torna urgente o
desenvolvimento de terapias mais eficazes para lidar com a progressão da
doença. Dois avanços recentes oferecem novas perspectivas: um estudo
internacional sobre morte celular publicado na revista Science
Translational Medicine e a aprovação no Brasil do medicamento Kisunla
pela Anvisa. Quem explica é Pedro Modena, psiquiatra geriatra na Faculdade de
Medicina da USP.
A pesquisa internacional investigou a
necroptose — um tipo de morte celular programada — como possível mecanismo
envolvido na neurodegeneração causada pelo Alzheimer. Cientistas testaram dois
remédios em camundongos com alterações genéticas parecidas com as que causam a
doença em humanos. “O artigo verificou que, nos camundongos que só apresentavam
mutação no gene da proteína precursora amiloide, a APP, o processo de
necroptose ocorreu em uma taxa semelhante aos animais usados como grupo
controle, geneticamente saudáveis, e não apresentavam neurodegeneração
significativa.”
O pesquisador aponta que a mutação na
proteína beta-amiloide (APP), que é uma das características do Alzheimer, não
foi suficiente para causar neurodegeneração significativa nos camundongos. As
mutações que afetam a proteína Tau, no entanto, tiveram efeitos devastadores. A
combinação, portanto, acelera a morte neuronal e faz com que o Alzheimer se
desenvolva de maneira mais agressiva: “Isso ilustra como o processo primário da
doença de Alzheimer, a amiloidogênese, por si só não é o suficiente para explicar
o processo neurodegenerativo, mas potencializa e acelera o potencial
neurotóxico da proteína Tau anômala”.
Modena explica, também, que o estudo
tratou os camundongos com dois medicamentos conhecidos: ponatinib e dabrafenib,
que já são usados no tratamento de leucemia e melanoma. As substâncias
bloqueiam o processo de necroptose e preservam a densidade neuronal: “Essas
moléculas foram escolhidas por já serem aprovadas para uso em humanos,
especificamente no tratamento da leucemia mieloide crônica, o ponatinib, ou de
um tipo específico de melanoma, o dabrafenib”.
Teste em humanos
Com os resultados positivos em animais,
o próximo passo é testar os medicamentos em pacientes humanos, em diferentes
fases do Alzheimer. Modena ressalta que o estudo aponta para uma nova linha de
tratamento, mas também reforça que uma abordagem única dificilmente será
suficiente. “Cada vez mais percebemos que agir sobre um único alvo tem pouca
eficácia. Mesmo agindo sobre o que entendemos como evento primário da doença de
Alzheimer, a amiloidogênese, conseguimos até agora apenas retardar
discretamente a progressão da doença, nem perto de interrompê-la, muito menos
reverter parte do que foi perdido.”
Ainda não há cura para o Alzheimer, mas
os recentes avanços indicam que a ciência caminha em direção a tratamentos mais
eficazes. A combinação de estratégias, o reposicionamento de medicamentos já
existentes e o maior entendimento sobre os processos celulares da doença podem,
no futuro, mudar o curso do Alzheimer — e, com ele, a vida de milhões de
pessoas. “Tratar só uma parte do problema não tem funcionado muito bem. Por
isso, acreditamos que o futuro do tratamento está em usar vários tipos de
medicamentos ao mesmo tempo, como já acontece em outras doenças, como a
insuficiência cardíaca”, explica.
O segundo avanço importante aconteceu
no Brasil. A Anvisa aprovou o uso do medicamento Kisunla,
que também age sobre a proteína beta-amiloide. Ele ajuda a limpar as placas
dessa substância no cérebro, o que pode retardar a progressão da doença: “A
proposta é que, mesmo sabendo que não é o amiloide em si o principal composto
tóxico aos neurônios, ele acelera e potencializa outros eventos moleculares,
estes, sim, neurotóxicos. Sua remoção do cérebro deveria lentificar a
progressão da doença”, explica Modena. O Kisunla já está disponível para
pessoas que estão nos primeiros estágios do Alzheimer.
Ele explica que um diferencial da
substância em questão é ser uma droga modificadora: “O termo ‘droga
modificadora de doença’ remete à sua capacidade de agir diretamente sobre o
processo patológico, e não simplesmente buscar amenizar os sintomas, como as
drogas que já estão no mercado há décadas”.
No entanto, ele alerta aos riscos desse
método: as anormalidades de imagem relacionadas ao amiloide – conhecidas em
inglês como amyloid-related imaging abnormalities (Aria). “A
mesma aprovação feita pela Anvisa não ocorreu pelo principal órgão regulador
europeu, o EMA, em função do risco significativo de efeitos colaterais graves.
Podem ser hemorragias cerebrais ou edema, que é um inchaço cerebral. A maioria
dos casos são leves ou até mesmo assintomáticos, mas alguns casos podem ser
letais.
O pesquisador finaliza apontando
esperança para o futuro: “Provavelmente veremos no futuro um esquema de três ou
quatro drogas, cada uma alvejando um alvo molecular específico, sendo
empregadas simultaneamente ou sequencialmente. Vai ser um tratamento caro e com
efeitos colaterais significativos. Mas acredito, sim, que tem uma revolução em
relação à forma que entendemos e tratamos as doenças neurodegenerativas em
curso”.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo
Fonte: https://jornal.usp.br/atualidades/avancos-na-ciencia-trazem-esperanca-no-tratamento-a-pacientes-de-alzheimer-e-a-seus-familiares/

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